sexta-feira, 27 de maio de 2011

Mãos dadas

Mãos dadas
em não se darem
a contagotas,
em não mais querer
e tanto mais querendo,
em se surpreender
laceando o laço firme.
É o amor terno
em seu tempo finito,
porque o amor
são as folhas de uma árvore
caduca,
que dançam ao sabor
amaríssimo
do vento infalível.
Toda alma é
de outonos passível.
Em que sopram ventos frios
e bailam as folhas
uma valsa de separação,

sexta-feira, 18 de março de 2011

Soneto Concreto

Há tijolo, areia, cimento e água,
Mais uns braços em fazer a argamassa
E as tintas e o reboco também traga.
E o ofício do forjador também faça.

E mede e olha e calcula tal mudeza
Dessas paredes de tijolo a vista.
E se se um tijolo não firmar, insista.
É sólida a parede nas miudezas.

Vê erguer -meu bem- num tempo infinito
A inacabável construção da vida
Em muros sólidos de um labirinto.

E mudos esses muros misteriam cismos,
Mas se voas comigo nas asas de Ícarus,
Verás belas as paredes de construímos.

terça-feira, 15 de março de 2011

Ás de espadas

Ás de espadas
-num castelo de cartas cotidianas

Um homem
de calça jeans e blusa de frio
em romper o asfalto
de um amanhecer.
Não tem muita pompa.
No rosto, certa apatia.
Fuma cigarros
em tão matinal hora do dia.

,e só sobrou no asfalto o sapato sujo

Do homem bom.
Vejam-no: quão esguio
enquanto rompia o asfalto quente
deste amanhecer tão frio.
Com que pompa andava
e quanta alegria:
diziam do homem que fumava cigarros,
mas pararia algum dia.

,e só sobrou no asfalto um convite ao silêncio

sábado, 12 de março de 2011

Senta cá

Senta cá, amigo,
pois contigo,
na jornada mais sombria
não temo perigo.
E não temas também,
se faltar-lhe abrigo.
Já disse, meu velho,
senta cá, com teu amigo.
Compartilha tua alegria,
teu desvario.
Compartilha a sangria
e o chorar tardio.
Compartilha a utopia febril,
divide comigo
a lembrança infantil.
Anda comigo
o passo apressado,
anda comigo
no tempo passado.
Nossas velhas almas
perpassam o tempo,
Trilham com a calma
de quem é fadado ao infinito.
Tua velha alma trilha comigo
o caminho mais bonito.
Senta cá, amigo,
compartilha comigo
o tempo que será nunca saudade.
compartilha comigo
este ínfimo de eternidade.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Nenhum homem é uma ilha

,mas eu sou esta ilha
de mata densa, sem trilha,
de praia clara, areia fina,
que quase beija a areia
de outra ilha a mim alheia.

Repousa ali tranquila
a uns dois remos desta ilha,
mas nenhum verso bárbaro de sílabas infinitas alcançará sequer uma terrilha.
Um minúsculo grão de areia meu,
beijará jamais aquela ilha.
Perto tanto quanto está,
estará sempre além, num infinito depois do mar.

Mas a mesma areia, quanto mais fina,
mais rápido cumpre sua sina,
de escorrer pelas ampulhetas das vidas.

E a maré de infindas vindas e idas,
num ocaso d'aurora foi só ida.

E num parvo espanto,
limpando ainda a água e o sal do pranto,
pude ver o improvável fazer sua trilha:
Sempre fui, afinal, aquela ilha.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Pinguela das sandices

Riacho morno de sandice,
corre calmo e pouco caldaloso,
qual rio de planície,
quase a andar cauteloso.

Perpassa as vilosidades da mente,
contorna a frivolidade da ciência,
molhando os pés cascudos de toda gente
dasagrilhoada da débil sapiência.

Arrolam nessas águas as máculas,
vão se as lágrimas fintandos os meandros do riacho.
Ao mar impessoal vão as mágoas
do matuto que louvando a sandice diz - Diacho!

Por que - Meu Deus - foste fazer irrefreável
o rio que me retorna a razão
E lento e mirrado e findável
são essas águas que me banham o coração?

Janela secreta

Que me fitem esses olhos miúdos
de espanto, admiração, impaciência ou sandice.
A janela que não me revela nada,
senão os vultos da paisagem,
é ainda mais secreta, indiscreta.
Belas são essas janelas
que não se permitem espiar.
Mas que me espie ela,
que me envolva nessa cortina suave,
que me roça a pele de leve;
que me diga sim e não
com a mesma boca
que beija e recusa
que fala e cala

que abre e fecha

como a janela
da mais doce alma,
que revelando-se
não se entrega
e
se entregando
não me revela.
Mas sei - sei sim
é doce e vale gastar a pena,
como quem abre a própria janela
para mostrar que não é cena:
Amo confesso,
me debruçar nesta janela
que nada, em absoluto,
me revela.