segunda-feira, 28 de junho de 2010

Eternidade

A eternidade do amante é a espera;
A corrida é a eternidade da chegada;
A eternidade é um instante - uma era.
A eternidade da dor - é a chaga.

A cicatriz é a eternidade da bala,
A sinapse é eterna no pensamento,
O silêncio é a eternidade da fala,
O segundo é a eternidade do tempo.

O eco é a eternidade do grito
O Tu é a eternidade do Eu
O homem faz-se eterno no mito,
Amanhã é a eternidade do que já aconteceu.

A volta é a eternidade da ida
O nada - eternidade vazia
Tudo - é eterno na vida,
A eternidade do poeta é poesia.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Soneto ao cortejo de um desconhecido

Fúnebre cortejo, o que mais tu levas
Além do probo peito do homem frio? -
As vísceras de um outrora vadio
Que em boca alheia agora é só bondade!
E que aqui fica além de crua saudade
E as quimeras que domou o homem que espio?
As lágrimas egoístas dos vivos
Indo ao mesmo fim do que padeceu.
O homem que morre também sou eu,
Mas tantos outros também ele foi,
Que mal sei se posso chamar de meu
O frio corpo que ri desta ironia:
...................Caminhais para derradeira cova,
...................Flutuo indiferente ao infinito.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Ao peito

Quiçá o peito saber partir
Sem que deixe, de onde parte - parte de si
E quiçá também saiba o peito
Em quais outros fará teu leito.

Quiçá saiba porque parte,
És arcanjo e carrasco de teus cantos.
Ah peito! Quiçá saiba porque bates
Forte e partes chorando risos tantos.

Quiçá tu saibas onde chegas,
O chão que pisas, as nuvens que voas.
Quiçá tu saibas das quimeras que domas
E por vezes saibas de teu domador.

Quiçá um dia tu saibas,
Mas que não seja logo.
Misterias o sabor do não-saber:
Vá partido, vá chegando.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Versos distraídos nº 2

Ah! Solidão, dá-me pouco de tua
Companhia! E que outra tem o peito,
Além de horas cruas, que ásperas
Caminham para o mesmo leito?

Relego-me à mesma ordem das flores.
Somente belas às vistas de ramas
Virgens de colheita e amores
E cuja essência se esvai em gotas.

Conservo na batida dos ponteiros
E no badalar do errante peito,
O perfume das rosas que - covarde,
Outrora não me atrevi cheirar.

Espantalho os passarorrisos,
Que de meu perfume ousam provar:
Bem-me-querem, mal-me-quero;
Lírio - não ignoto de meus espinhos.