Diz-se que era um sonho quase sublime o que aquela padaria fazia. Um desses sonhos suculentos em que nos lambuzamos sem o pesar de ter de se limpar depois. Sabendo disso Carlos desceu as escadas, cumprimentou o porteiro e pôs-se na calçada em direção à padaria dos sonhos de fama.
Diz-se também que eram três jovens entediados e uma máquina, dessas que roncam enfurecidas rasgando a cidade. Cansados do conforto de suas vidas e das oportunidades oferecidas, resolveram embarcar naquele veículo, imbuídos com o único objetivo de sentirem-se vivos a despeito de não conhecerem a lei, a ordem, nem Carlos, nem a padaria dos sonhos de fama.
Carlos caminhava sereno apesar da juventude. A padaria dos sonhos de fama era a alguns quarteirões de onde estava e o tempo não parecia preocupá-lo. Seus passos firmes o levariam ao destino e logo teria em suas mãos o suculento sonho com que sonhava.
Os jovens não somente se contentavam com a velocidade com que cortavam o vento, mas para que se sentissem realmente vivos tinham que transpor as amarras que conhecemos como sociedade. Não lhes importava a polícia em perseguição nem a vida do cão que atropelado fora.
Carlos já estava na padaria. Comprara o sonho e agora poderia ir para casa. A pressa não lhe era característica, sabia que para tudo havia seu tempo e ainda não iria lambuzar-se com o sonho que acabara de comprar. Pôs-se de novo na calçada com o mesmo caminhar sereno.
Os jovens dobravam as esquinas, cortavam ruas, avenidas e vidas. E quando banalmente dobraram a avenida da padaria dos sonhos de fama deparam com o garoto que antes não conheciam. Era um garoto com um saco na mão. Talvez carregasse ali alguns pães, ou talvez um sonho.
Carlos olhara surpreso aquele carro azul metálico que havia dobrado a rua em alta velocidade. Ouvia as sirenes ao fundo e sabia que a polícia estava no caminho. Ouvia o amargo cantar dos pneus e o ronco enfurecido dos cavalos do motor se aproximando a galope. Ouvia sussurros de vozes ancestrais, e gritos descomunais. Estava atordoado e parecia não acreditar que tanta coisa se passava em sua cabeça naquela fração de segundo.
O jovem ao volante fitou o garoto que estava logo a sua frente. O choque parecia derradeiro e em meio aos gritos graves dos jovens percebia-se um lampejo de arrependimento, ou talvez aquele brilho, que é sinal de alma, nos olhos fosse vida.
Carlos tinha de escolher entre o sonho e a vida. Largou a sacola que carregava e correu atordoado para se por na calçada novamente.
O jovem ao volante tentou pisar no freio, mas tudo que conseguiu foi o cheiro de queimado e sonho que ficou no asfalto.
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