segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Frestas

Uma janeja, como se quebrasse.
E nela uma fresta,
como se de súbito se abrisse.

E por ela tudo tão
Fétido,
tudo não
cômodo,
tudo tão
Nietzsche(do)

que é melhor desviar as
vistas,
é melhor enterrar as
vítimas,
é melhor tapar as
frestas
que dão para dentro de meu
íntimo.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Versus

Ela era beijo,
ele poesia.
Ela desejo,
ele satisfazia.
Ela abraço,
ele carinho.
Ela carrasco,
ele sozinho.
Ela cinema,
ele teatro.
Ela ipanema,
ele meio do mato.
Ela sorria,
ele esquivava.
Ela corria,
ele esperava.
Ela caviar,
ele feijão com farinha.
Ela alto mar,
ele pocinha.
Ela circo e cordel,
ele ópera e Platão.
Ela flutua no céu,
Ele atarracado no chão.
Ela tudo menos ele.
Ele nada inclusive ela.
Ela um pouco ópio.
Ele papoula.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Ontem

Acordei carregando
os mesmos velhos
átomos de ontem.
Lendo os mesmos fatos
que aconteceram ontem.
Escutando o eco
dos gritos de ontem,
o choro dos bebês
que nasceram ontem.

Acordei me pintando
da tinta que comprei ontem.
Lambuzando a loucura de verniz.
Cheiro de novo intoxicando o nariz,
Pintando meu velho eu de novo, notem.

E todo esse verniz,
toda essa pintura,
toda essa loucura,
é só tinta vagabunda.

E mal seca,
Já é velha.
E mal seca,
pede tinta nova.

lá vem chuva,
notem,

toda essa pintura,
toda essa loucura,

notem,
a chuva inunda.

notem,
nas primeiras rachaduras,
o eu de ontem.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Um anjo, um banjo, uma canção.

Na minha cama
dorme um anjo,
sujo de lama,
abraçado ao banjo
com que cantava solidão.

Na minha cama
dorme um anjo,
uma insônia,
um coração.

Na minha lama
dorme um banjo,
ainda sujo na cama,
de um anjo
que me deixou a solidão.

Na minha solidão
dorme um anjo,
chora um banjo,
uma lágrima de canção.

Masturbação

Em um milhão de casas,
em um milhão de caras
eu estarei.
Por um milhão de ruas,
um milhão de mulheres nuas
eu andarei.
Em um milhão de corações,
em rosas fechadas em botões
eu morarei.
Em um milhão de lágrimas,
um milhão de páginas
eu chorarei.
Um milhão de futuros,
um milhão de becos escuros
eu desbravarei.
Por um milhão de terras,
um milhão de quimeras
viajarei.
Em um milhão de melodias,
um milhão de poesias
me escreverei.
Em um milhão de camas,
um milhão de poços de lama
descansarei.
Em um milhão de tédios,
em um milhão de prédios,
me suicidarei.
Um milhão de eus,
em um milhão de Deus(es)
me inventarei.
Por um milhão de almas,
por um milhão de traumas
me explicarei.
Em um milhão de tocos de cigarro,
em doentios escarros
me consumirei.
Por um milhão de dias,
em um milhão de agonias,
me perderei.

Quem sou? - não sei.
Eu sou este falo
sou este calo
da masturbação.
Quem sou? - sei não.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

nº6

Nos olhos,
a força rútila,
pentetrante
de um guerreiro.
No toque
a candura
de uma flor última,
a brotar num canteiro.
Nas mãos
a firmeza de rochas
de testemunho milenar,
inquebrável fortaleza;
Doçura e beleza
de brumas
na brisa à bailar.
No peito
um quê de anjo,
um quê de de canção
Que assobia
baixinho
no meu coração.
Na alma
guardados segredos
da mais sincera
ternura.
De Deus
a melhor feitura.
No braço,
o aperto de um fraterno
abraço
o mais forte laço meu.
Em ti a companhia
inefável da lua.
Metade literal,
metade poesia.
Saibas -
Estarás nunca sozinha,
pois no peito sempre
te levo

-maninha.

nº5

E por que a pressa,
se acabou de acordar?
Esparrama cá
em meu leito.
Aqui te trato,
te fato,
te ponho no prato.
Te devoro
óh, poesia.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

nº4

Vida
morte
vida
Morte
vida

Repetentes
-vida e morte-
nos repentes,
em encadeamentos
morbidamente
lógicos.

Eu me recuso
a procurar
sinônimos.
Não hão
de acha-los enfim
ninguém.

Minha alma

Minha alma é pobre
e sangue azul nela corre;
azul, verde, preto e branco.

Minha alma é um livro velho,
que o vento desabrocha as folhas
levando consigo a rima.

Minha alma é um filme francês
num cinema de Bankok,
Brunei, Butão, um bairro chinês.

Minha alma é flor que se cheire;
É abismo que se beire.
Flerte que não se resiste.

Minha alma é sozinha
de um poema - companhia,
metade literal, metade pó e minha.

Minha alma é isso pouco
e tudo aquilo outro,
metade em mim, metade noutra.

Minha alma tem gosto de framboesa,
tristeza, folia e pequi.
É daqui e(´) Salvador Dali.

domingo, 15 de agosto de 2010

Uma dose

Me dê mais uma dose,
de adeus.
Seco e puro, por favor.
Mais uma dose.
Hoje vou me embriagar
com um pouco
de realidade.

Uma dose mais,
De sonhos já me basto.
Uma dose de adeus,
puro e seco, nêga.
pois só partindo,
em algum lugar
se chega.

Para se viver mais

Se vive quanto mais se morre:
varar a madrugada
mulher pelada.
gordura saturada,
(tomar um porre)

esperar nascer o dia,
carnaval, festa e folia,
entregar-se a uma poesia,

rir quando não pode,
escrever à puta, uma ode,
escutar no mudo um pagode.

Se vive quanto mais se morre:
que isso não me porre,
não me pode,
não me despoesie.

Versos distraídos nº3

Vida,
que é assim que a chamam.
Essa vontade de querer
partir,
quando tem-se que ficar;
essa vontade de ficar
quando se está prestes a
Partir.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Fênix

A minha tarefa de fênix,
anda tão cinza.
Tempestade de vento,
também me leva essa
poesia.
cinza-triste,
cinza-sonho-morto;
cinco pedacinhos
de cinza.

Há de brotar
quando a tempestade
passar.
Há de brotar
um gozo,
um riso;
simbiose de morfemas:
quiçá isso me traga
um novo poema.

Sem ti pouca dor

Jurei então te deixar,
arrumei minhas coisas
ameacei partir.
Deixei-te a casa,
levei meus versos.
Meu eu incerto
não poderia se despedir.

Me peça então
e eu fico um pouco mais,
a te escrever um pouco -
nada demais.

Se quiser que eu vá,
olha lá, eu vou.
Mas saiba que mesmo
sem te poetar,
irei me recompor,
encontrarei amor,
sem()ti - pouca dor.

Não cometa, íntima,
tal desvario.
Olha, é a ti que poesio
uma vez mais.

Deita aqui, então.
Não carece falar nada.
Deixa que eu te escute ofegar,
suja, então, meu pito de batom,
abaixa teu gemido um tom

E me peça para ficar.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Em Grenada

Uma dúzia de bilhões de pés
se arrastam caóticos
em ruas ainda frias,
que percorrem
esses passos.

Meia dúzia de bilhões de sístoles,
mais meia de diástoles,
em fatoriais frações de segundo,
rastejam nas assombrações
de ponteiros de relógios.

Em Grenada
só se escuta o silenciar
dos fins das conversas
nos confins
de fábricas.

Pés dentados:

Animais
impropriamente derivados
em homens
impropriamente derivados
em máquinas
impropriamente derivadas
em engrenagens
- não deveriam,
inclusive gramaticalmente -
pluralizar.

Em grenada
engrenagens azul-metal
não escolhem para onde
vão girar.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Velho,

Para o Giovanni

Velhos ansiãos
me infinitam
uma história,
me finitam
num repente
repetido,
de palavras
que roçaram
as línguas
de outrem.
Alguém há
de cantá-las
em samba
- tudo é samba
na boca
de quem tem
alma e (en)canta
em ver os gozos
da alma de um velho
alguém.

O tempo passou
em engrenagem
ferozmente
silenciosa,
enquanto os velhos
improvisam
outro repente.
Há de repente
assobios
de melodia
ainda não cantada.
a mesma velha
palavra sempre
(o)usada
a por poetas
na história
dos velhos de amanhã.
Seremos pois
velhos, um dia,
sentados,
jogando o velho
jogo de dominó.
A garganta há
de dar um nó,
quando a nostalgia
for nosso último
sentimento.
Fomos então poetas,
velhos, mais que
os velhos,
que os velhos,
que os velhos,
que o primeiro velho,
que sorri discreto,
apreciando
a melodia,
que percorre
um repente.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Poerrot

Então, se eu estou triste -
deixe-me estar.
Deixe meu riso pelo avesso
aí onde está.

Estou bem com o que me diz
ser tristeza:
ela me dá o silêncio
que preciso para pensar.

Deixe-me aqui,
é onde quero ficar.
A observar de longe as alegrias
que não me fazem gozar.
(Mas me divertem, humornegramente.)

Se estou triste,
deixe-me ficar.
Por dentro estou o avesso disso.

Eu não sou triste,
porque não sou nada;
senão este eterno estar
alguma coisa.

Não se esforce, então,
em compreender o meu sentido.
Não há nenhum,
senão todos do mundo.

Meu riso avesso
não me denuncia.
Vire um pouco a cabeça.
Vês? estou sorrindo.

Poema aos animais

Essa vontade coletiva de chorar
um choro que não vem.
Um choro que não existe,
mas que dá vontade de ser derramado;
que derrame na sequidão
das nossas relações que
distam oceanicamente
cada singular alma humana,
concentrando-as
corregamente a um
mesmo princípio,
que rege uma lei cruel
de animais que se negam
quanto podem para
esquecerem que não passam
de animais.
Querem ser eternos
como os deuses
que inventam.
Sedam-se em alimentar
arquétipos que no fundo sabem
serem impossíveis de alcançar.
Tolos eles, tolo eu;
e por sermos todos tolos,
enxergamo-nos tão sábios,
que inclusive os verdadeiros sábios
acabam vendo-se tolos.
Que vontade estou de chorar,
mas meu gotejar salgado
tem o mesmo gosto dos dicionários.
É frio, sem alma. Só água e sal em significado literal.
E mesmo que eu pudesse comer
todos estes homens e mulheres,
de alma nenhuma me nutriria.
Essa estranha vontade de chorar
não cabe mais nesse mundo,
não cabe neste mundo
sequer a alma de um poeta.
Esta vontade de chorar
é estranhamente
todos esses sorrisos
que se somam na alegria
aparente das ondas
escondendo turbilhões nas zonas absais.
Meu corpo afundava então nas águas
a buscar...
preencher-se visceralmente
e literalmente
de um coração.
Chorava no caminho, mas ninguém via.
Água e sal que se confundiu
com a água do mar.

domingo, 8 de agosto de 2010

Pai,

A palavra mais gentil,
o verso de melhor feitio,
será ainda menos
bonito
que o mistério
que nosso laço
oculta;
é sangue,boca,
olhos, pele,
caráter,
coração,
nosso laço é
este homem que me tornei;
e o mesmo tempo
que fez-me homem,
fez-te um pouco criança.
Trocamos não só
abraços, presentes, confiança,
mas nos doamos
um ao outro.
Há mais que teu sangue em mim.
Há um pouco dos teus cabelos
brancos a me meter experiência;
um pouco dos teus calos,
a me por garra frente as chagas
que a vida me inflinge.
E quanto te doei -
senão estes cabelos brancos
de preocupação e
estes calos,
que me mataram a fome?
Quanto te doei,
senão ainda pouco fronte
ao teu incansável amor,
ainda que por ventura
eu me esquecesse
- a minha pequenez e
minha falta de cabelos brancos
ainda me submetem a
desentendimentos que
revivo todos os dias.
Hei de um dia entender,
quem sabe? -
Foste tu o herói
de meu imaginário,
impenetrável fortaleza
que sempre, prontamente,
atendia: ''papai''.
Hoje - pai,
és este homem
de semblante cansado,
mas sei, de amor incansável.
Pouco menos Super-herói,
mas não menos agigantado.
Deixou de ser o herói
do meu imaginário,
para ser o homem
que eternamente - ouvira?
- eternamente
almejarei ser.

Feliz dia dos Pais, pai.

sábado, 7 de agosto de 2010

Avesso ( versão final)

Para se ler do avesso

isso mesmo nem - sentido de Quê
,equilibrada assim - vida a faz
enfeitada e maquilada, engomada
.aí por sair fosse se como

máquina de ferina Estática
a homens nos meter a, inguiçada
.continental deriva da tranquilidade
.causa que o é mim em Enjoo

castidade meter a Tranquilidade
.faro sem, pele sem, rabo sem macacos em
,amargo café abaixo goela meter A
.comida da gosto o disfarcando

,tranquilidade cruel e Santa
,espírito meu avesso ao vire
lado o avesso mais seja não que e
!vê se não mim de que lado o

ser quero não mas, sou Eu -
-engomadinha essa vida
(vida da) soco do esquivar tanto Em
só ,escapar em que descobri
.golpe outro a cara a damos

.este - galope a Vem
,sangrar te em sedento mais Ainda
.face a planar e te-atingir
.cicatrizes tuas curar e
(estão onde as-Deixe!)

.ferino marasmo cruel e Santo.

! poema - chaga minha, pois, Seja
mim em que olhos os fazer A
como, enojarem se , tropeçam
não em enoja alma minha
.almas de feitura nas chagas ver

amarela pétala de flor Uma
,sangue de rubra falsamente
perfume exalar em sincera mas
.brotar fez a que decomposição da

,acompanhado mal ou sozinho ficar de Hei
,nada a levaram me não companhias boas as pois
mais ainda las-querê a senão
.mais vez cada las-sê e

:menos vez cada, mais vez cada Sou
,visto que roupas as
rabisco que com montblanc a
.(barato papel!)
couro de tiras com chinelo um Sou
.terra de sujas
!disso avesso o Sou

,fadigados músculos meus Sou
. leram que me livros os
sangue meu leva que mosquito Um
!defunto um corpo ao

visceral compulsividade essa sou Eu
.imagem minha arreganhar de
;( eu sou não - no espelho este )
!desmentir me de

!me-Olha
!olhos nos me-Encara
,ver me deveras queres se Mas
avesso pelo me Leia!

Avesso ( primeira versão)

Quê de sentido - nem mesmo isso
faz a vida, assim: equilibrada,
engomada, maquilada, enfeitada...
como se fosse sair por aí.

Estática ferina de máquina
enguiçada, a meter nos homens
a tranquilidade da deriva continental.
Enjoo em mim é o que causa.

Tranquilidade à meter castidade
em macacos sem rabo, sem pele, sem faro.
A meter goela abaixo café amargo,
disfarçando o gosto da comida.

Santa e cruel tranquilidade,
Vire ao avesso meu espírito,
E que não seja mais avesso
o lado que de mim não se vê!

-Eu sou, mas não quero ser
vida esta engomadinha-
Em tanto esquivar do soco(da vida)
Descobri que em escapar, só
se dá a cara a outro golpe.

Vem a galope - este,
ainda mais sedento em te sangrar,
atingir-te e planar a face
e curar tuas cicatrizes
(deixe-as onde estão!)

Santo e cruel marasmo ferino!

Seja pois minha chaga- poema!
A fazer os olhos que em mim
tropeçam, se enojarem, como
minha alma enoja em não
ver chagas nas feituras das almas.

Uma flor de pétala amarela,
falsamente rubra de sangue,
mas sincera em exalar perfume
da decomposição que a fez brotar.

Ando com os vidros abertos
( e o ar ligado)
a torcer baixo para ser assaltado
e ter olhos animais me encarando
e de mim desejando algo!

Hei de ficar sozinho, ou mal acompanhado,
pois as boas companhias não me levaram a nada,
senão querê-las ainda mais,
e sê-las cada vez mais!

Sou cada vez mais, cada vez menos:
as roupas que visto,
a montblanc com que rabisco
(um papel barato)
Sou um chinelo com tiras de couro
sujas de terra.
Sou o avesso disso!

Sou meus músculos fadigados,
os livros que me leram.
O mosquito que leva meu sangue
ao corpo de um defunto!

Eu sou essa compulsividade visceral
de arreganhar minha imagem
(este do espelho não sou eu!)
e vira(´)-la(ta) ao avesso!
Eu sou, eu sou deveras, meu avesso!

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Face

A face
faz-se
face,
face
a
face
com
a
face
que
não
se vê.
face
a
face
faz-se
a
face
que
todo
mundo
quer
ser.
Face,
faces,
d'uma
mesma
face
que
não
se
gasta,
por
igual
a
toda
face
ser.

Vielas sortidas

Vielas sortidas
para um passo furtivo.
E de que foge,
senão do passo seguinte?
Vielas sortidas
Para pensamentos sórdidos,
procurando sagas
que sangrem.
Vielas sortidas
para encontrar
e fugir de si.
Vielas sortidas
para perder a vista
e caminhar no escuro.
Vielas sortidas
para que as pernas se cansem
em outros caminhos.
Vielas sortidas
a estreitar as vidas.
Vielas sortidas
a dar calos ao pé.
Vielas sortidas, cá estou,
para recuperar a fé.

Pés descalços

a rachar no asfalto.

Olhos
a tropeçar na miséria
dos homens

Sonhos
A esbarrar na matéria
em decomposição

Lígua
a acostumar ao azedume
artificial

Nariz
a preferir perfume
ao naturual

A pele
a arrepiar de nojo
do tato

A mão fagueira
a dar com bojo-
(des)peito.

O corpo
a se contorcer de frio
à sombra de um arranhacéu.

Um passo
a pisar no vaizio
de cabeças humanas.

Um coração
a se meter em abismo
procurando
chããããããããããão.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

aDeus

Arrumei as malas.
Vou-me embora,
em boa hora,
é bom que diga-se
de passagem.
Há de ser boa
a viagem.
Cavalo(s) de aço,
fina carroagem,
barco batizado
de Caron(a)te.
Vou com aDeus,
mas aquela sensação,
de faltar alguma coisa
na mala, ainda me aborrece.
Eia inquietude.
Vai comigo uma foto,
que há de ficar amarela
e ser só lembrança.
Vai comigo uma caneta,
que há de gastar
e ser canção.
Ah, mas ainda me falta
o que não cabe na mala.
Ainda me falta um coração.
E não me venha com esse
de lata, inventado no japão!
Falta o meu,
o meu coração.
Alma minha, que eu possa
gozar.
Vou me embora
de viagem.
Há coisas que não
se manda buscar.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Meretriz

Onde a Rua dobrou a vida,
Adormeceu a meretriz.
A chuva fina, somente ela
vai ter com a mulher;
envolve-a, dá-lhe uma lágrima
para escorrer no rosto,
para borrar a sombra -
e vai-se embora, a garoa,
como os homens que vem e vão
em boa hora.
Ainda eternecida
na esquina da
Nelson Rodrigues com a Pessoa.
Observam, mas quem mais sabe
da meretriz?
Se é mulher ou atriz,
fingindo gozo ao breu,
que não pede licença
para penetrar seu íntimo,
mas quem sabe do âmago
de uma mulher
que somente sorri
sincera para si?
Enquanto adormecida
goza,
ela sorri,
ela só
ri.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Guerra

A vida é guerra, eu repito.
Soldados rasos já vencidos
que marcham ao abismo.
O mais condecorado,
de fuzil em punho;
o pequenino,
que somente tem consigo
uma canção,
todos, sem excessão,
escutam o zunir do tempo-balaço
certeiro no coração.
A cavalaria dos deuses,
à galope apontando
no horizonte tardio -
inevitavelmente também encontrará
o abismo,
indiferente à vontade da fé.
Senta-te - toma um café;
Amanhã a batalha pode ser única,
mas senta-te aqui, agora.
O soldado pequenino murmura
uma canção última.
A morte é o fim derradeiro,
mas que não seja, pois,
o fim primeiro.
Luta soldado vencido,
este é o fim do
Guerreiro.

domingo, 1 de agosto de 2010

Poeterra

Desnudos, sonho e dorso, em simbiose
Com a terra infértil que tudo jaz.
Tentando de silêncio ensurdecer
Para ouvir as miudezas da vida,

Que de pressa se faz sem vista ida:
Pó e terra - da palavra dita agora
Que repousa -neste verso- no outrora.

A sequidão da vida aqui passada,
Fazendo brotar a grama que deito
Sinto- me devorado ainda vivo,
Confundindo-me com a terra quente.

Eu sou esta palavra em carne viva,
Ferida aberta que a terra consome,
Sibilando uma palavra da chama
Última: Poeterra és - antes do sono
- profundo.

Augusto Ramos