quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Pinguela das sandices

Riacho morno de sandice,
corre calmo e pouco caldaloso,
qual rio de planície,
quase a andar cauteloso.

Perpassa as vilosidades da mente,
contorna a frivolidade da ciência,
molhando os pés cascudos de toda gente
dasagrilhoada da débil sapiência.

Arrolam nessas águas as máculas,
vão se as lágrimas fintandos os meandros do riacho.
Ao mar impessoal vão as mágoas
do matuto que louvando a sandice diz - Diacho!

Por que - Meu Deus - foste fazer irrefreável
o rio que me retorna a razão
E lento e mirrado e findável
são essas águas que me banham o coração?

Janela secreta

Que me fitem esses olhos miúdos
de espanto, admiração, impaciência ou sandice.
A janela que não me revela nada,
senão os vultos da paisagem,
é ainda mais secreta, indiscreta.
Belas são essas janelas
que não se permitem espiar.
Mas que me espie ela,
que me envolva nessa cortina suave,
que me roça a pele de leve;
que me diga sim e não
com a mesma boca
que beija e recusa
que fala e cala

que abre e fecha

como a janela
da mais doce alma,
que revelando-se
não se entrega
e
se entregando
não me revela.
Mas sei - sei sim
é doce e vale gastar a pena,
como quem abre a própria janela
para mostrar que não é cena:
Amo confesso,
me debruçar nesta janela
que nada, em absoluto,
me revela.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Quem são

Quem são estes que me habitam
estes que me esgotam,
estes que explico,
que me explicam,
que visito?
Grande hotel que sou,
de hóspedes infinitos
passageiros,
eternos,
transeuntes insones
do meu íntimo.
Quem são estes
que me caçam,
me ferem de vida,
me sangram
numa sangria atada?
Quem são estes
que os abutres devoram
eas cegonhas trazem
em uma multiplicação caótica?
Quem são estes,
que me cumprimentam no elevador,
que reclamam do meu barulho,
que se preocupam com meu silêncio?
Quem são estes que sou?
Não, contenha-se,
não me responda, por favor.

Favelas da alma

As favelas da alma expulsa teu
eu mais infame, mais sujo e indesejado;
este teu eu imundo que queres calado.
Expulsa o eu fétido que Prometeu

ateou o fogo impreciso da existência,
que na favela d'alma arde incontido
enquanto teu ser vaga nu perdido
pelo calçamento áspero da ausência.

Vê crescer do infértil teu eu humano,
vê reproduzir-se este ser que podas.
Em cada beco de teu ser - vê sê-lo.

Do que é grande n'alma sobra o que é insano
quando ao homem prudente dá-se cordas
para enforcar (-se) o que pode vencê-lo.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

nº11

O meu perfume
vai ficar na sua pele
e você vai sentir meu cheiro
e vai me sentir tão perto
e se cerrar os olhos
vai me ver, por certo.

E vai roçar a língua
no céu da sua boca,
arrepiando os pelos,
vai imaginar meu gosto.

E ao tocar seu corpo
vai sentir meu tato
a percorrer seu posso
de desejos quase inatos.

E vai roer as unhas
e vai morder os lábios
e entreabrir a boca
para não falar mais nada.

E quando amanhecer os olhos
vai se esquecer do rumo,
porque naquele minuto
dançou sozinha todo o passo.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

nº10

Eu,
enporquesado,
sentado
em uma mesmo esquina:
mais pareço
uma estátua
de Rodin,
um pouco menos pensante.
Os carros passam,
o tempo passa,
tudo passa, afinal,
me ultrapassa
e me deixa cá

com a graça
de um riso
que acabo de me lembrar.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Dia dos mortos

O dia dos mortos
é sempre
cinza-lembrança,
como a chuva
que molha as flores
deixadas à morte.
Aquela beleza
vaidosa vai murchando
mesmo que a chuva
tente com presteza
dar-lhe vida.
Mas no dia dos mortos
a chuva é salobra.
A chuva é infértil.
Eu visito
os túmulos onde jazem
meus pensamentos.
Dou-lhes a presteza
da minha chuva,
a beleza das minhas
flores murchas,
mas todo pensamento
é só vivo
quando o relembramos
já morto.
E olhando-os jazer
não sei porque choro,
se pra molhar o passado,
ou se pra me ressequir do futuro.
Visito o túmulo glamuroso
do passado inglório.
Já morto, mas tão mais vivo,
que este pretenso a morto.
Visito - no dia dos mortos -
o túmulo onde jaz a vida.
Não sei porque, mas choro.
Talvez por estar vivo
no dia e na terra
dos mortos,
que nas lembranças
na chuva,
no cinza,
no solo infértil,
na flor murcha,
vivem.

domingo, 31 de outubro de 2010

Escultura

Pá! Pá! Pá!
A picareta lasca-me as sobras,
esculpe-me as rachaduras
num mármore pobre.

Pá! Pá! Pá!
E a brisa escatológica
leva o pó ao caos
leva o pó ao ralo,
eleva o pó à prima-obra.

Pá! Pá! Pá!
Vejam como parece humano,
mas em ser humano quanto parece,
menos humano é ainda que o pó!

Pá! Pá! Pá!
A picareta golpeia com a dureza
de uma bailarina,
que brilha ainda enquanto baila no ar
antecedendo o golpe de candura.

Pá! Pá! Pá!
Pó! Pó! Pó!
Em tirar-me as sobras
sobrou-me o nada só!

Pó! Pó! Pó!
Eis assim que se faz um poeta:
nas palavras lançadas à brisa,
na escultura ferida de morte pela picareta.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Tão perto

em estar
tão perto
tão perto
estou
infinitamente
tão distante
quanto certo
que quanto perto
mais fico
distante
errante
em estar
junto

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Ri

Ri, plateia.
Ri de si,
da piada,
da zombaria
que faço de ti.
Ri de mim,
pois onde vai
para rir
o palhaço,
quando chora?
Ri agora, plateia.
Ora, pois, este riso
só dura uma hora.
Só dura o cair da máscara
que mostra a face
lágrima do palhaço.
Só dura
o cair da cortina.

Newton

Contrai cada músculo
mostra as veias do pescoço,
escancara teu vigor.
Cerra os olhos
com descomunal força.
Aperta os dedos,
solta um gemido manso.
Colossal força,
usa-a toda.
E ainda assim
não moverás,
sequer uma polega,
a quimera que
fora por ti
sonhada.

(con)Tradição

Tem medo do escuro
a criança
que mora em
cima do muro
entre o idi e o ego
do homem
de patente.
Mora entre
os músculos,
entre as vísceras,
os nervos de aço,
uma pequenina
criança
que morre de medo
da risada do
Palhaço.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Fantasmas da honra

Fantasmas da honra me assombram.
Caminham deslizantes por minhas palavras,
percorrem vísceras - a veia cava.
Teus urros de moral, em tom funesto, cantam.

Em singulares retratos amarelados,
nos papeis de poesia amassados,
se deitam esses fantasmas velhacos,
em meter castidade neste macaco.

Da ínfima parte não sabem a metade,
e reduzem o infinito a tal parte
do ser - prestes a ser decepado.

De tudo conhecido, sou a outra metade.
Meu grito calou, mas o eco nunca parte.
Fantasma da honra - foste tu o decepado.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Escola de Ballet

(Ao som de bach)
E um
e dois
e três
e quatro
e leve
e forte
e cinco
e cai
e seis
levanta
e sete
e sua
e oito
na rua
escura
que passa
poeta
derrama
poesia
e passa
e fica
denovo
escura
e anda
e nove
e dez
enfim.

domingo, 3 de outubro de 2010

Último poema

Inspira a fumaça do último trago.
Escuta o eco do último brado.
Prende no peito essa fumaça.
Fantasia.

No ar deixa dançar a fumaça.
Aquém boca, um corpo de poeta.
Além, sua última poesia.
Esvazia.

Gastando-se-ia na fumaça dispersa.
Se é corpo ou fumo não se sabe.
Repousa entre o aquém e o além.
Apostasia.

A fumaça se desfazer demora.
Esbafora para além a última poesia.
És agora a fumaça e não o corpo.
Alivia.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Narciso

Em observar narciso -
flor, homem ou depósito de vazios-
faz-se a medida:

É homem e vaidade - belo Narciso
que leva o ego ao ismo
e a face ao espelho d'água.

Afoga-se,
mas nada faz o narrador,
que só sabe o que vê do acontecido:
Vaidade, por certo, afogou o distraído.

O espelho refletiu o homem,
os olhos negros de narciso.

O homem refletiu o espelho,
a água e as lágrimas dos deuses esquecidos.

Refletiam-se em vice-versas,
versos e vísceras.

Narciso não apaixonou-se pelo belo,
Ele quedou-se apaixonado
pelo infinito.

Nota

Posto sol,
conforto amigo.
Nota sol,
tons medidos.

Repousa lá
longe e comigo.
Nota lá,
posto-eu sentido.

E se...
contigo,
Nota-si
agudo ruído.

Dá dó,
do doer antigo
Uma dó
a por fim no eu-infindo.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Vela

Vela
essa dor desfalecida.

vela
que vai sendo consumida.

Vê-la
E não acreditar que é já ida.

Ela,
cicatriz que fora nunca ferida.


tão perto repousa a dor partida.


a última nota sustenida.


chama na vela inda

A
chama já está de despedida

nº9

Um poeta sem idéias
é assim:
muito parecido,
quase
homem.

Borda

Esta prosa,
vos garanto,
está agora
mais gostosa,
mais fogosa
e menos calhorda,
porque o poeta
comeu-a
começando pela borda;

Heresia

Visceral impulso de poeta
essa mania feia de enfeiar a poesia.
E quanto mais enfeita
e quanto mais arruma,
mais feia fica a bruma
que se faz feito espuma
na sinapse do pensamento.
E que nem por relez momento
me encante mais que meu sentimento,
o prazer em lambuzar-se de grafite.
Beleza maior só existe
naquilo que não foi falado.
A poesia mais sincera
não pode ser poemada.
O meu poema mais bonito,
eu só fiz foi enfeiá-lo.
Permita-me, óh vicio do grafite,
que eu não cometa tal heresia!
Não se escreve, meus amigos,
não se deve,
escrever para uma poesia.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Shh!

Shh!
Silêncio...
Escuta calar a cidade.
Este silêncio que soa saudade
e de que não se sabe de quê.
O silêncio do ronco
de motores,
de sonos mal dormidos;
quiçá poder ouvir as flores
germinar nos asfaltos comidos
pelo tempo
que tudo, absolutamente tudo, de-
vora.
Inclusive o Silêncio,
este murmúrio imenso
de velhinhas a cochixar;
quiçá poder escutar
o que só se escuta
nos estetoscópios.

SHH!
Silêncio, já pedi!
Escuta calar a cidade,
este silêncio que soa saudade;
vai saber de quê!
Se aqui (o) nada me falta,
se neste turbilhão,
o silêncio sobressalta;
quiçá escutar a alma,
que rasga o rosto calma
e morre barulhenta na lama.

SHH!
Silêncio!
Escuta cair essa lágrima,
que tem muito a dizer.
Escuta o silêncio barulhento da cidade;
encrustada saudade
no coração,
no concreto dos prédios,
tão sólido,
tão sólido,
que soa

Solidão.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Pingo

Cruzei mares
de apostasia;
Naveguei por águas
de pouca calmaria;
Arrebentei a onda,
que arrebentando-me-ia
Mergulhei em abismos
de alma e poesia;
Tantas coisas fiz
que pirata outro não faria;
Dei com a cabeça
no razão da piscina vazia.

Lancei-me na imensidão do Pantalassa,
Mar-mor de sal e lástima

Afoguei-me, enfim;
num pingo,
um pingo de lágrima.

Ao Poemar

Na proa deste navio
a ver o horizonte
ainda menos infinito
enquanto o poesio;
ainda menos infinito
enquanto viro-me para dentro
do meu eu vadio.

Na proa deste colossal barquinho,
ainda pequenino para o eu
que transborda nostalgiando.
Só- eu me recordo de um futuro
que coube em mim já passado.

Vejam, pois, o mar:
acaba de ficar ainda mais salgado.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Ser tão poeta

Meu querido sertão (de almas)
De seca (lágrima)
e galhas (de dor) retorcidas
em (sonhos) cerrados.

Aqui vaga,
em ser tão salobro,
o fantasma sem prumo,
pouco probo,
do poeta esquecido.

Em teu passou tímido
é sempre um pé pretérito,
sempre um pé pegada.

Seria errante este andar
já não fosse errante
ser tão poeta.

Arrasta teus pés pela
seca terra,
Descansa teu corpo aos pés
da escleromórfica
árvore,

que em ser tão bailarina
se entorta toda em graça
forjando sombras
num teatro, que o poeta
fascina.

Segue teu caminho seco,
a deixar na poeira tua poesia
e a levar consigo o pó:
este milenar testemunho
da eternidade fadada a ser só.

Ser tão flor

Rego com sal
as fissuras abertas
em Nava-
lha no infértil solo
que expõe a chaga.
E dela a flor
mais bela
a brotar em tão seca
terra,
em ser tão teimosa.
E a alma
temerosa
hesita em colhê-la -
se é narciso, espinho ou rosa.

Espeta-te, poeta,
e chora,
pois da flor já murcha,
só do espinho gozas.
Em ser tão tardia,
cai chuva no sertão.
Em arder a chaga
e malfazer a cicatriz.
Há de fazer brotar na seca próxima
ainda mais bela flor - espinho ou rosa,
é o que se diz.

Tequila

Te quero
Te ganho
Te perco
Te enrolo
Te guardo
Te engano
Te digo a verdade
Te lembro
Te imagino
Te poesio
Te devoro
Te jogo fora
Te deixo ficar

Mas agora que foi-te embora,
Eu
Tequila.

domingo, 19 de setembro de 2010

Passeio pelo cemitério

Rua onze,
lote treze,
túmulo primeiro.
Ao lado da cripta de ardósia.
Levo flores ao amigo de fim derradeiro.
Trilho o caminho do sal
e da murcha flor que esmureceu.
Não há pressa nos meus passos vivos
rumo à lápide do que padeceu.
Por mim, pedras e epitáfios passam:
A vida pareceu se resumir
aos afagos,
esculpidos na mesma nobre rocha de apedrejos.
A vida pareceu se resumir
aos murmúrios,
que ecoam dos véus dos cortejos.
Rua onze,
lote treze,
túmulo primeiro.
Ao lado da cripta de ardósia,
como me explicou o coveiro.
Aqui deixo as flores
na lápide que leio:
'' Cá jaz Pedro
Augusto Ramos,
póstumo tradutor de almas,
ora casou,
ora cansou,
ora amou
a vida.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Negociação

Ela adentrou a sala.
Ele já estava sentado.
Eles não se falaram.
Ela o encarou profundo.
Ele carregava os olhos fundos.
Eles se analizaram.
Ela parecia ter certeza.
Ele estava um pouco nervoso.
Eles não precisaram de palavras.
Ele colocou a oferta na mesa.
Ela acenou negativa.
Eles não fecharam negócio.
Ela deu-lhes um sorriso e as costas.
Ele retribuiu o vil afago.

Sístole - bip
Diástole - bip
Foi tudo o que se ouviu da oferta
que pulsou ainda em cima da mesa.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

troco

Meu troco
eu troco
a troco
de nada,
meu troco
eu troco
no preço
da bala,
meu troco
se troca
por qualquer
troço que
já esteja
trocado.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

No trilho

Trilho
o caminho do
trilho
o caminho do
risco
o caminho
riscado
pelo trem
fora do
trilho
contrariando
a trilha
que canta
ou(trem)

E se a trilha
for risco,
rabisco o
caminho
ar(r)isco de
rio
se a trilha
for uma canção
de tristeza

Sigo
o caminho do
ralo
o eu,
me
parto...

mas volto,
juro.

Saudade

Hoje acordei
com esta dolorida
saudade na cama
me fazendo companhia.
Saudade,
essa moça miudinha
que dá medo de quebrar
na iminência do toque.
Como dói te lembrar,
quando não te vivi.
Como dói saudadear
quando já te perdi.
Tu, que eu, aqui dentro
guardava,
me fez companhia,
quando a cidade
já despertava.
Ah, abrigo meu,
por que você foi
virar saudade?

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

nº 7

Este sentimento
que de um lado fere,
do outro afaga,
se é amor,
bem poderia chamá-lo
Nava-
lha,
escondo,
a mim mesmo,
minto,
trancafio
num mortal
segredo,
numa fantasia

Que escapou,
escapou
de uma
poesia.

Tetrâmera

Quer-me mal,
E faz e finge como tal

Quer-me bem
De pétalas vestida - quer-me sem

Quer-me mal,
apaga a chama

Quer-me bem,
e assim me chama,

Mas já despetalada, está a flor
de bens e mals me queres

domingo, 5 de setembro de 2010

Porque

se eu perder a coragem,
se eu perder a hora
e perder a cabeça
e perder a alma
e perder a fé
e perder a calma,
se eu perder o juízo
e perder a novela
e perder a linha
e perder o último capítulo
e perder o fio da meada
e perder o trem
e perder a alvorada

ainda hei de ver o sol
nascer no outro dia.
E outro trem há de passar
mais anoitinha.
E o fio da meada há de ser
novo começo.
E o útimo capítulo
tem reprise amanhã.
E a linha é melhor nem
ser seguida.
E o fim da novela,
é o começo de outra.
E o juízo que depois
ele me encontre.
E a calma que dê
lugar a euforia.
E a fé que
nunca mais me abandone.
E a alma que se perca
no peito de quem amo.
E a cabeça que
fale mais baixo que o coração.
E a hora me espere
mais um pouco.
E a coragem que perdi,
me ache,
E me dê a chance,
de versar a ti.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

São

Sou o que são,
logo,
sou são.
Sou são
(repido baixinho para mim mesmo)
Sou são.
Sou tão,
Sou tão...
louco?
Sou louco,
todos são.
Sou este
louco-são.

Razão

Razão:
irracional
pós-moderna
ação
de
pensar
Razo;

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Frestas

Uma janeja, como se quebrasse.
E nela uma fresta,
como se de súbito se abrisse.

E por ela tudo tão
Fétido,
tudo não
cômodo,
tudo tão
Nietzsche(do)

que é melhor desviar as
vistas,
é melhor enterrar as
vítimas,
é melhor tapar as
frestas
que dão para dentro de meu
íntimo.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Versus

Ela era beijo,
ele poesia.
Ela desejo,
ele satisfazia.
Ela abraço,
ele carinho.
Ela carrasco,
ele sozinho.
Ela cinema,
ele teatro.
Ela ipanema,
ele meio do mato.
Ela sorria,
ele esquivava.
Ela corria,
ele esperava.
Ela caviar,
ele feijão com farinha.
Ela alto mar,
ele pocinha.
Ela circo e cordel,
ele ópera e Platão.
Ela flutua no céu,
Ele atarracado no chão.
Ela tudo menos ele.
Ele nada inclusive ela.
Ela um pouco ópio.
Ele papoula.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Ontem

Acordei carregando
os mesmos velhos
átomos de ontem.
Lendo os mesmos fatos
que aconteceram ontem.
Escutando o eco
dos gritos de ontem,
o choro dos bebês
que nasceram ontem.

Acordei me pintando
da tinta que comprei ontem.
Lambuzando a loucura de verniz.
Cheiro de novo intoxicando o nariz,
Pintando meu velho eu de novo, notem.

E todo esse verniz,
toda essa pintura,
toda essa loucura,
é só tinta vagabunda.

E mal seca,
Já é velha.
E mal seca,
pede tinta nova.

lá vem chuva,
notem,

toda essa pintura,
toda essa loucura,

notem,
a chuva inunda.

notem,
nas primeiras rachaduras,
o eu de ontem.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Um anjo, um banjo, uma canção.

Na minha cama
dorme um anjo,
sujo de lama,
abraçado ao banjo
com que cantava solidão.

Na minha cama
dorme um anjo,
uma insônia,
um coração.

Na minha lama
dorme um banjo,
ainda sujo na cama,
de um anjo
que me deixou a solidão.

Na minha solidão
dorme um anjo,
chora um banjo,
uma lágrima de canção.

Masturbação

Em um milhão de casas,
em um milhão de caras
eu estarei.
Por um milhão de ruas,
um milhão de mulheres nuas
eu andarei.
Em um milhão de corações,
em rosas fechadas em botões
eu morarei.
Em um milhão de lágrimas,
um milhão de páginas
eu chorarei.
Um milhão de futuros,
um milhão de becos escuros
eu desbravarei.
Por um milhão de terras,
um milhão de quimeras
viajarei.
Em um milhão de melodias,
um milhão de poesias
me escreverei.
Em um milhão de camas,
um milhão de poços de lama
descansarei.
Em um milhão de tédios,
em um milhão de prédios,
me suicidarei.
Um milhão de eus,
em um milhão de Deus(es)
me inventarei.
Por um milhão de almas,
por um milhão de traumas
me explicarei.
Em um milhão de tocos de cigarro,
em doentios escarros
me consumirei.
Por um milhão de dias,
em um milhão de agonias,
me perderei.

Quem sou? - não sei.
Eu sou este falo
sou este calo
da masturbação.
Quem sou? - sei não.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

nº6

Nos olhos,
a força rútila,
pentetrante
de um guerreiro.
No toque
a candura
de uma flor última,
a brotar num canteiro.
Nas mãos
a firmeza de rochas
de testemunho milenar,
inquebrável fortaleza;
Doçura e beleza
de brumas
na brisa à bailar.
No peito
um quê de anjo,
um quê de de canção
Que assobia
baixinho
no meu coração.
Na alma
guardados segredos
da mais sincera
ternura.
De Deus
a melhor feitura.
No braço,
o aperto de um fraterno
abraço
o mais forte laço meu.
Em ti a companhia
inefável da lua.
Metade literal,
metade poesia.
Saibas -
Estarás nunca sozinha,
pois no peito sempre
te levo

-maninha.

nº5

E por que a pressa,
se acabou de acordar?
Esparrama cá
em meu leito.
Aqui te trato,
te fato,
te ponho no prato.
Te devoro
óh, poesia.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

nº4

Vida
morte
vida
Morte
vida

Repetentes
-vida e morte-
nos repentes,
em encadeamentos
morbidamente
lógicos.

Eu me recuso
a procurar
sinônimos.
Não hão
de acha-los enfim
ninguém.

Minha alma

Minha alma é pobre
e sangue azul nela corre;
azul, verde, preto e branco.

Minha alma é um livro velho,
que o vento desabrocha as folhas
levando consigo a rima.

Minha alma é um filme francês
num cinema de Bankok,
Brunei, Butão, um bairro chinês.

Minha alma é flor que se cheire;
É abismo que se beire.
Flerte que não se resiste.

Minha alma é sozinha
de um poema - companhia,
metade literal, metade pó e minha.

Minha alma é isso pouco
e tudo aquilo outro,
metade em mim, metade noutra.

Minha alma tem gosto de framboesa,
tristeza, folia e pequi.
É daqui e(´) Salvador Dali.

domingo, 15 de agosto de 2010

Uma dose

Me dê mais uma dose,
de adeus.
Seco e puro, por favor.
Mais uma dose.
Hoje vou me embriagar
com um pouco
de realidade.

Uma dose mais,
De sonhos já me basto.
Uma dose de adeus,
puro e seco, nêga.
pois só partindo,
em algum lugar
se chega.

Para se viver mais

Se vive quanto mais se morre:
varar a madrugada
mulher pelada.
gordura saturada,
(tomar um porre)

esperar nascer o dia,
carnaval, festa e folia,
entregar-se a uma poesia,

rir quando não pode,
escrever à puta, uma ode,
escutar no mudo um pagode.

Se vive quanto mais se morre:
que isso não me porre,
não me pode,
não me despoesie.

Versos distraídos nº3

Vida,
que é assim que a chamam.
Essa vontade de querer
partir,
quando tem-se que ficar;
essa vontade de ficar
quando se está prestes a
Partir.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Fênix

A minha tarefa de fênix,
anda tão cinza.
Tempestade de vento,
também me leva essa
poesia.
cinza-triste,
cinza-sonho-morto;
cinco pedacinhos
de cinza.

Há de brotar
quando a tempestade
passar.
Há de brotar
um gozo,
um riso;
simbiose de morfemas:
quiçá isso me traga
um novo poema.

Sem ti pouca dor

Jurei então te deixar,
arrumei minhas coisas
ameacei partir.
Deixei-te a casa,
levei meus versos.
Meu eu incerto
não poderia se despedir.

Me peça então
e eu fico um pouco mais,
a te escrever um pouco -
nada demais.

Se quiser que eu vá,
olha lá, eu vou.
Mas saiba que mesmo
sem te poetar,
irei me recompor,
encontrarei amor,
sem()ti - pouca dor.

Não cometa, íntima,
tal desvario.
Olha, é a ti que poesio
uma vez mais.

Deita aqui, então.
Não carece falar nada.
Deixa que eu te escute ofegar,
suja, então, meu pito de batom,
abaixa teu gemido um tom

E me peça para ficar.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Em Grenada

Uma dúzia de bilhões de pés
se arrastam caóticos
em ruas ainda frias,
que percorrem
esses passos.

Meia dúzia de bilhões de sístoles,
mais meia de diástoles,
em fatoriais frações de segundo,
rastejam nas assombrações
de ponteiros de relógios.

Em Grenada
só se escuta o silenciar
dos fins das conversas
nos confins
de fábricas.

Pés dentados:

Animais
impropriamente derivados
em homens
impropriamente derivados
em máquinas
impropriamente derivadas
em engrenagens
- não deveriam,
inclusive gramaticalmente -
pluralizar.

Em grenada
engrenagens azul-metal
não escolhem para onde
vão girar.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Velho,

Para o Giovanni

Velhos ansiãos
me infinitam
uma história,
me finitam
num repente
repetido,
de palavras
que roçaram
as línguas
de outrem.
Alguém há
de cantá-las
em samba
- tudo é samba
na boca
de quem tem
alma e (en)canta
em ver os gozos
da alma de um velho
alguém.

O tempo passou
em engrenagem
ferozmente
silenciosa,
enquanto os velhos
improvisam
outro repente.
Há de repente
assobios
de melodia
ainda não cantada.
a mesma velha
palavra sempre
(o)usada
a por poetas
na história
dos velhos de amanhã.
Seremos pois
velhos, um dia,
sentados,
jogando o velho
jogo de dominó.
A garganta há
de dar um nó,
quando a nostalgia
for nosso último
sentimento.
Fomos então poetas,
velhos, mais que
os velhos,
que os velhos,
que os velhos,
que o primeiro velho,
que sorri discreto,
apreciando
a melodia,
que percorre
um repente.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Poerrot

Então, se eu estou triste -
deixe-me estar.
Deixe meu riso pelo avesso
aí onde está.

Estou bem com o que me diz
ser tristeza:
ela me dá o silêncio
que preciso para pensar.

Deixe-me aqui,
é onde quero ficar.
A observar de longe as alegrias
que não me fazem gozar.
(Mas me divertem, humornegramente.)

Se estou triste,
deixe-me ficar.
Por dentro estou o avesso disso.

Eu não sou triste,
porque não sou nada;
senão este eterno estar
alguma coisa.

Não se esforce, então,
em compreender o meu sentido.
Não há nenhum,
senão todos do mundo.

Meu riso avesso
não me denuncia.
Vire um pouco a cabeça.
Vês? estou sorrindo.

Poema aos animais

Essa vontade coletiva de chorar
um choro que não vem.
Um choro que não existe,
mas que dá vontade de ser derramado;
que derrame na sequidão
das nossas relações que
distam oceanicamente
cada singular alma humana,
concentrando-as
corregamente a um
mesmo princípio,
que rege uma lei cruel
de animais que se negam
quanto podem para
esquecerem que não passam
de animais.
Querem ser eternos
como os deuses
que inventam.
Sedam-se em alimentar
arquétipos que no fundo sabem
serem impossíveis de alcançar.
Tolos eles, tolo eu;
e por sermos todos tolos,
enxergamo-nos tão sábios,
que inclusive os verdadeiros sábios
acabam vendo-se tolos.
Que vontade estou de chorar,
mas meu gotejar salgado
tem o mesmo gosto dos dicionários.
É frio, sem alma. Só água e sal em significado literal.
E mesmo que eu pudesse comer
todos estes homens e mulheres,
de alma nenhuma me nutriria.
Essa estranha vontade de chorar
não cabe mais nesse mundo,
não cabe neste mundo
sequer a alma de um poeta.
Esta vontade de chorar
é estranhamente
todos esses sorrisos
que se somam na alegria
aparente das ondas
escondendo turbilhões nas zonas absais.
Meu corpo afundava então nas águas
a buscar...
preencher-se visceralmente
e literalmente
de um coração.
Chorava no caminho, mas ninguém via.
Água e sal que se confundiu
com a água do mar.

domingo, 8 de agosto de 2010

Pai,

A palavra mais gentil,
o verso de melhor feitio,
será ainda menos
bonito
que o mistério
que nosso laço
oculta;
é sangue,boca,
olhos, pele,
caráter,
coração,
nosso laço é
este homem que me tornei;
e o mesmo tempo
que fez-me homem,
fez-te um pouco criança.
Trocamos não só
abraços, presentes, confiança,
mas nos doamos
um ao outro.
Há mais que teu sangue em mim.
Há um pouco dos teus cabelos
brancos a me meter experiência;
um pouco dos teus calos,
a me por garra frente as chagas
que a vida me inflinge.
E quanto te doei -
senão estes cabelos brancos
de preocupação e
estes calos,
que me mataram a fome?
Quanto te doei,
senão ainda pouco fronte
ao teu incansável amor,
ainda que por ventura
eu me esquecesse
- a minha pequenez e
minha falta de cabelos brancos
ainda me submetem a
desentendimentos que
revivo todos os dias.
Hei de um dia entender,
quem sabe? -
Foste tu o herói
de meu imaginário,
impenetrável fortaleza
que sempre, prontamente,
atendia: ''papai''.
Hoje - pai,
és este homem
de semblante cansado,
mas sei, de amor incansável.
Pouco menos Super-herói,
mas não menos agigantado.
Deixou de ser o herói
do meu imaginário,
para ser o homem
que eternamente - ouvira?
- eternamente
almejarei ser.

Feliz dia dos Pais, pai.

sábado, 7 de agosto de 2010

Avesso ( versão final)

Para se ler do avesso

isso mesmo nem - sentido de Quê
,equilibrada assim - vida a faz
enfeitada e maquilada, engomada
.aí por sair fosse se como

máquina de ferina Estática
a homens nos meter a, inguiçada
.continental deriva da tranquilidade
.causa que o é mim em Enjoo

castidade meter a Tranquilidade
.faro sem, pele sem, rabo sem macacos em
,amargo café abaixo goela meter A
.comida da gosto o disfarcando

,tranquilidade cruel e Santa
,espírito meu avesso ao vire
lado o avesso mais seja não que e
!vê se não mim de que lado o

ser quero não mas, sou Eu -
-engomadinha essa vida
(vida da) soco do esquivar tanto Em
só ,escapar em que descobri
.golpe outro a cara a damos

.este - galope a Vem
,sangrar te em sedento mais Ainda
.face a planar e te-atingir
.cicatrizes tuas curar e
(estão onde as-Deixe!)

.ferino marasmo cruel e Santo.

! poema - chaga minha, pois, Seja
mim em que olhos os fazer A
como, enojarem se , tropeçam
não em enoja alma minha
.almas de feitura nas chagas ver

amarela pétala de flor Uma
,sangue de rubra falsamente
perfume exalar em sincera mas
.brotar fez a que decomposição da

,acompanhado mal ou sozinho ficar de Hei
,nada a levaram me não companhias boas as pois
mais ainda las-querê a senão
.mais vez cada las-sê e

:menos vez cada, mais vez cada Sou
,visto que roupas as
rabisco que com montblanc a
.(barato papel!)
couro de tiras com chinelo um Sou
.terra de sujas
!disso avesso o Sou

,fadigados músculos meus Sou
. leram que me livros os
sangue meu leva que mosquito Um
!defunto um corpo ao

visceral compulsividade essa sou Eu
.imagem minha arreganhar de
;( eu sou não - no espelho este )
!desmentir me de

!me-Olha
!olhos nos me-Encara
,ver me deveras queres se Mas
avesso pelo me Leia!

Avesso ( primeira versão)

Quê de sentido - nem mesmo isso
faz a vida, assim: equilibrada,
engomada, maquilada, enfeitada...
como se fosse sair por aí.

Estática ferina de máquina
enguiçada, a meter nos homens
a tranquilidade da deriva continental.
Enjoo em mim é o que causa.

Tranquilidade à meter castidade
em macacos sem rabo, sem pele, sem faro.
A meter goela abaixo café amargo,
disfarçando o gosto da comida.

Santa e cruel tranquilidade,
Vire ao avesso meu espírito,
E que não seja mais avesso
o lado que de mim não se vê!

-Eu sou, mas não quero ser
vida esta engomadinha-
Em tanto esquivar do soco(da vida)
Descobri que em escapar, só
se dá a cara a outro golpe.

Vem a galope - este,
ainda mais sedento em te sangrar,
atingir-te e planar a face
e curar tuas cicatrizes
(deixe-as onde estão!)

Santo e cruel marasmo ferino!

Seja pois minha chaga- poema!
A fazer os olhos que em mim
tropeçam, se enojarem, como
minha alma enoja em não
ver chagas nas feituras das almas.

Uma flor de pétala amarela,
falsamente rubra de sangue,
mas sincera em exalar perfume
da decomposição que a fez brotar.

Ando com os vidros abertos
( e o ar ligado)
a torcer baixo para ser assaltado
e ter olhos animais me encarando
e de mim desejando algo!

Hei de ficar sozinho, ou mal acompanhado,
pois as boas companhias não me levaram a nada,
senão querê-las ainda mais,
e sê-las cada vez mais!

Sou cada vez mais, cada vez menos:
as roupas que visto,
a montblanc com que rabisco
(um papel barato)
Sou um chinelo com tiras de couro
sujas de terra.
Sou o avesso disso!

Sou meus músculos fadigados,
os livros que me leram.
O mosquito que leva meu sangue
ao corpo de um defunto!

Eu sou essa compulsividade visceral
de arreganhar minha imagem
(este do espelho não sou eu!)
e vira(´)-la(ta) ao avesso!
Eu sou, eu sou deveras, meu avesso!

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Face

A face
faz-se
face,
face
a
face
com
a
face
que
não
se vê.
face
a
face
faz-se
a
face
que
todo
mundo
quer
ser.
Face,
faces,
d'uma
mesma
face
que
não
se
gasta,
por
igual
a
toda
face
ser.

Vielas sortidas

Vielas sortidas
para um passo furtivo.
E de que foge,
senão do passo seguinte?
Vielas sortidas
Para pensamentos sórdidos,
procurando sagas
que sangrem.
Vielas sortidas
para encontrar
e fugir de si.
Vielas sortidas
para perder a vista
e caminhar no escuro.
Vielas sortidas
para que as pernas se cansem
em outros caminhos.
Vielas sortidas
a estreitar as vidas.
Vielas sortidas
a dar calos ao pé.
Vielas sortidas, cá estou,
para recuperar a fé.

Pés descalços

a rachar no asfalto.

Olhos
a tropeçar na miséria
dos homens

Sonhos
A esbarrar na matéria
em decomposição

Lígua
a acostumar ao azedume
artificial

Nariz
a preferir perfume
ao naturual

A pele
a arrepiar de nojo
do tato

A mão fagueira
a dar com bojo-
(des)peito.

O corpo
a se contorcer de frio
à sombra de um arranhacéu.

Um passo
a pisar no vaizio
de cabeças humanas.

Um coração
a se meter em abismo
procurando
chããããããããããão.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

aDeus

Arrumei as malas.
Vou-me embora,
em boa hora,
é bom que diga-se
de passagem.
Há de ser boa
a viagem.
Cavalo(s) de aço,
fina carroagem,
barco batizado
de Caron(a)te.
Vou com aDeus,
mas aquela sensação,
de faltar alguma coisa
na mala, ainda me aborrece.
Eia inquietude.
Vai comigo uma foto,
que há de ficar amarela
e ser só lembrança.
Vai comigo uma caneta,
que há de gastar
e ser canção.
Ah, mas ainda me falta
o que não cabe na mala.
Ainda me falta um coração.
E não me venha com esse
de lata, inventado no japão!
Falta o meu,
o meu coração.
Alma minha, que eu possa
gozar.
Vou me embora
de viagem.
Há coisas que não
se manda buscar.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Meretriz

Onde a Rua dobrou a vida,
Adormeceu a meretriz.
A chuva fina, somente ela
vai ter com a mulher;
envolve-a, dá-lhe uma lágrima
para escorrer no rosto,
para borrar a sombra -
e vai-se embora, a garoa,
como os homens que vem e vão
em boa hora.
Ainda eternecida
na esquina da
Nelson Rodrigues com a Pessoa.
Observam, mas quem mais sabe
da meretriz?
Se é mulher ou atriz,
fingindo gozo ao breu,
que não pede licença
para penetrar seu íntimo,
mas quem sabe do âmago
de uma mulher
que somente sorri
sincera para si?
Enquanto adormecida
goza,
ela sorri,
ela só
ri.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Guerra

A vida é guerra, eu repito.
Soldados rasos já vencidos
que marcham ao abismo.
O mais condecorado,
de fuzil em punho;
o pequenino,
que somente tem consigo
uma canção,
todos, sem excessão,
escutam o zunir do tempo-balaço
certeiro no coração.
A cavalaria dos deuses,
à galope apontando
no horizonte tardio -
inevitavelmente também encontrará
o abismo,
indiferente à vontade da fé.
Senta-te - toma um café;
Amanhã a batalha pode ser única,
mas senta-te aqui, agora.
O soldado pequenino murmura
uma canção última.
A morte é o fim derradeiro,
mas que não seja, pois,
o fim primeiro.
Luta soldado vencido,
este é o fim do
Guerreiro.

domingo, 1 de agosto de 2010

Poeterra

Desnudos, sonho e dorso, em simbiose
Com a terra infértil que tudo jaz.
Tentando de silêncio ensurdecer
Para ouvir as miudezas da vida,

Que de pressa se faz sem vista ida:
Pó e terra - da palavra dita agora
Que repousa -neste verso- no outrora.

A sequidão da vida aqui passada,
Fazendo brotar a grama que deito
Sinto- me devorado ainda vivo,
Confundindo-me com a terra quente.

Eu sou esta palavra em carne viva,
Ferida aberta que a terra consome,
Sibilando uma palavra da chama
Última: Poeterra és - antes do sono
- profundo.

Augusto Ramos

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Ser

Tudo me parece tão (bio)lógico,
que em versar hesito.
Somente sou esta química
que ecoa trágica
caótica
-das vísceras-
de meu teimoso ser?
Em ver essência
na crua existência
do globo ocular lacrimoso.
É sal e água,
mas há de ser alma,
no rosto de quem ama.
É só - grafite e grafia,
mas há de ser alma,
nas mãos de quem poesia.

Encontro

Em uma rua qualquer, que por ser aquela
não era qualquer uma, deu-se o fato caso
que por ter acontecido foi acaso,
mas podia nem ter sido, que mesmo assim
aconteceria outro fato, que outro poeta
culparia a sorte formidável de um destino
outrora traçado para os homens, quaisquer
que sejam, mas traçado foi à mim.

O encontro,
-que nem precisava ter acontecido
para que a vida se seguisse -
de um impotente ( pleonástico ) versador,
com a palavra que ele jurou ódio eterno.

Nem mesmo ela seria para sempre, mas vejam,
estava de terno - e não pela solução da rima.
A palavra engomadinha de Aurélio caminhava
inexorável como se fosse ao infinito.

A pobre, não pode, por fim,
negar que dos homens criatura era
e sendo por homens feita,
amava quem a vil negava - fera!

Teu passo primeiro deu volta meia
seguindo o rumo do brocadilho versador.
Ainda que de varonia vestida, não havia,
mais fagueira figura feminina.
A palavra ao poeta fez-se, enfim, despida.

Como negar o amor ao versador,
se indiferença, ele a oferecia.
A criatura se repetia no criador,
que se transformamando-se-ia em criatura.
Na mais bela feitura dos fatos,
acasos por terem sucedido,
em amor outrora não pretendito
de uma palavra, agora poesia
com um versador, agora poeta.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Uma estrela

se apaga
repousando um último
feixe
em meus olhos.
Há muito morreu,
deixando em luz,
a sombra do que foi.
Dando ainda à
nossa existência
forjada
essência
em inspiração.
Acalentava ainda
meu coração
brocadilho de poeta.
Teu feixe último,
qual seta,
fez sangrar tardia canção.
Morta estrela
de luzes tantas,
há de deixar de ser a sombra
que foste,
para ser inapagável luz
de minhas
lembranças.

sábado, 24 de julho de 2010

O barco

Cala-se
em mar
ressaqueado.
Leva preso
à vela
o peito de
um poeta
ao bel prazer do vento-
Que assobia em baila
uma canção
de tristeza.
Percorre as ondas
e morre.
Morre
molhando os pés
de uma criança
na praia.
Na praia,
nas ondas,
na tristeza,
uma criança.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Poesia,

velha amiga,
sente-se aqui.
Faça-me
derradeira companhia.
Nossas linhas
nada mais são
senão
rugas.
nosso tempo
foi passado,
me parece.
Nasceu passado.
Mas fique mais um pouco,
compartilhe
comigo tua agonia.
Meu caminho sigo,
ainda que
tristeza.
Consolando-me
da certeza
da cova.
Um dó
de tu,
de batalhas companheira.
Fadada a versar
as grandiosidades
de um vazio.
Poesiar a
sinapse de
um vadio.
Ver-se enfim
livre...
no universo
de um
sujo
umbigo.
Eu, minha amiga,
não mergulho
nesta
piscina
rasa.

P. Augusto Ramos

quarta-feira, 21 de julho de 2010

O Domador de Quimeras nº2

Lança
tu
à quimera,
Domador.
Estala
teu chicote
Desenbainha
tua espada
rútila.
Estejas
pronto
para batalha
última.
Teu peito é
trunfo
e o assobio
de tua lança
bailante no ar
há de ser canção.
Mas a quimera-
este monstro
sem coração-
luta também
para ser teu algoz.
Doma-A,
ou domar-lhe-á
Ela
Impõe-te vil
limiar
és louco-são
na afiada
lâmina de
tua lança.
Trilha teu caminho
Ao infinito,
Crava a
espada em
teu próprio peito.
Entrega teu coração
à fera.
Há de domá-la
enfim:
a última quimera
agora tem
peito de
poeta.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

De (novo) amar

O tempo passou
qual brisa.
Despercebido
Se fez longe
quanto que olhamos
e não vemos mais
o que há tanto
ficou pra trás.
Restou-nos
abstratos
que vamos
juntando,
mais sentindo
do que vendo.
Nada mais somos
que lacunas,
uma memória
que presa ficou
aos ponteiros
que passaram
indiferentes à
nossa vontade.
Será que já
é tarde?
Ou tarde é
só o que
deixamos
de forma
definitiva para
trás?
Não me faça
assim tão
tarde.
Quiçá me
faça noite
que precede
de novo aurora,
no peito
de quem nunca
se deixou de
amar.

P. Augusto Ramos

Capitão

Há neste sorriso,
de dois e não mais
músculos,
pouco, muito pouco
da criança que deixei de ser.
Abandonei meu
navio
de plástico e sonhos.
Lembro-me que
seu capitão
costumava ser
eu.
Navegando por
sonhos hoje findos,
enfrentando quimeras
hoje não tão feras.
Abandonei o navio
quando deveria afundar
com ele.
Capitão de minhas
fantasias.
Calado em mar de águas frias.

sábado, 17 de julho de 2010

Eu Isso

Amo,
confesso.
Mas este sentimento
não é meu.
Habita
sorrateiro
os dicionários
de outrem.
As línguas
bailantes
de alguem.
Mas amo,
confesso.
Só não sei
se posso
assim chamar.
Amor, como foi
primeiro amado.
Amor, como foi
primeiro pecado.
Amo, confesso.
Mas não dou-me
o pretencioso
direito
de dizer que amo.
Talvez eu Isse.
Talvez eu Aquile.
Só não posso-
me perdoem
os amantes-
chamar meu
Chamar essa
bela
coisa
de amor.



P. Augusto Ramos

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Soneto

A alma com parca verdade sacia-se
Da forja vil dos homens se lambuza;
Fita o que deveras é qual medusa,
Encara crua verdade e petrifica-se.

Pergunta aos loucos quanto ousa um espírito;
A loucura é dos sábios grande mérito.
Aqui em terra de juízos humanos,
Malograda é a viturde dos insanos.

Almas pouco ousam conhecer a si,
Antes bainhas que quimeras guardam,
À espadas que por verdade sangram.

Cego dos olhos, talvez; D'alma nunca,
A forja faz-se ver na covardia
Do homem que grandiosidades oculta.

domingo, 11 de julho de 2010

Aos loucos

Quiçá fosse eu
desprovido
deste insano
juízo dos homens.
É que sábios
são em viver
esses malogrados,
Esses felizes
desvairados.
Que olhar lançam
ao mundo? -
me pegunto.
-sois todos loucos,
de certo - diriam.
Vá ver que
somos mesmo,
de perto.
Ah! Quiçá
fosse eu
um louco
e visse
tanta mágica
no que me é
banal.
Dá-me, Deus,
a sorte de
um malogrado
da arte
de viver são.
Dá-me, Deus,
A coragem dos loucos,
Pois são sofro,
em ter de mostrar
a tantos doidos,
que pareço
normal.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Jan(elas)

Adormece a casa
fechando-se em janelas.
eu em-mim-mesmado,
aguardo a visita
tardia de uma palavra.
ébrio da fonte
de morfeu,
ainda habito
essas paredes
e elas me habitam.
Em navalha
entre a víscera
e a alma...
Agora,
somente agora
sou poeta.
Visita-me
insana a palavra
implora-me que
seja escrita.
É tarde...
nunca saberás
dessa poesia.
Flagro-me
fechando a última
janela.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Um poeta

Um poeta
dois poetas
três patetas;
Pensa o mundo
o mundo pensa,
pensa mudo,
pensa tudo.
quiçá pensasse
em por-se
em pé!
falta amor,
poesia,
ou
café?

domingo, 4 de julho de 2010

Poeta Ébrio

um poeta ébrio
a dar com sombras.
escondem-lhe o quê?
que mais revelam
senão assobios.
não posso chamar
canção se de longe vem.
ofício da brisa
o som que longe escuto,
a roubar do peito
a luz.
somente sombras
se forjam
onde outrora
repousava meu
caminho;
somente assobio
escuto da canção
que ecoa
onde agora
era o leito
de meu corpo
frio.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Montanha russa

Montanha russa
a barriga gela;
o horizonte parece longe lá do alto
caindo em sensação de morte.
Deixou além do gelo um vazio.
que há de ser
agora?

des-
truí
quase tudo.
e da última
des-
cida
não houve looping;
e vou descendo
decarrilhado
desembestado
absolvido
do
crime de poesiar
de criar,
qual pássaro livre
dentro da uma
gaiola apertada.
como se não houvesse espaço
só gelo
descida
e uma montanha russa
num parque
em
NY,

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Eternidade

A eternidade do amante é a espera;
A corrida é a eternidade da chegada;
A eternidade é um instante - uma era.
A eternidade da dor - é a chaga.

A cicatriz é a eternidade da bala,
A sinapse é eterna no pensamento,
O silêncio é a eternidade da fala,
O segundo é a eternidade do tempo.

O eco é a eternidade do grito
O Tu é a eternidade do Eu
O homem faz-se eterno no mito,
Amanhã é a eternidade do que já aconteceu.

A volta é a eternidade da ida
O nada - eternidade vazia
Tudo - é eterno na vida,
A eternidade do poeta é poesia.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Soneto ao cortejo de um desconhecido

Fúnebre cortejo, o que mais tu levas
Além do probo peito do homem frio? -
As vísceras de um outrora vadio
Que em boca alheia agora é só bondade!
E que aqui fica além de crua saudade
E as quimeras que domou o homem que espio?
As lágrimas egoístas dos vivos
Indo ao mesmo fim do que padeceu.
O homem que morre também sou eu,
Mas tantos outros também ele foi,
Que mal sei se posso chamar de meu
O frio corpo que ri desta ironia:
...................Caminhais para derradeira cova,
...................Flutuo indiferente ao infinito.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Ao peito

Quiçá o peito saber partir
Sem que deixe, de onde parte - parte de si
E quiçá também saiba o peito
Em quais outros fará teu leito.

Quiçá saiba porque parte,
És arcanjo e carrasco de teus cantos.
Ah peito! Quiçá saiba porque bates
Forte e partes chorando risos tantos.

Quiçá tu saibas onde chegas,
O chão que pisas, as nuvens que voas.
Quiçá tu saibas das quimeras que domas
E por vezes saibas de teu domador.

Quiçá um dia tu saibas,
Mas que não seja logo.
Misterias o sabor do não-saber:
Vá partido, vá chegando.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Versos distraídos nº 2

Ah! Solidão, dá-me pouco de tua
Companhia! E que outra tem o peito,
Além de horas cruas, que ásperas
Caminham para o mesmo leito?

Relego-me à mesma ordem das flores.
Somente belas às vistas de ramas
Virgens de colheita e amores
E cuja essência se esvai em gotas.

Conservo na batida dos ponteiros
E no badalar do errante peito,
O perfume das rosas que - covarde,
Outrora não me atrevi cheirar.

Espantalho os passarorrisos,
Que de meu perfume ousam provar:
Bem-me-querem, mal-me-quero;
Lírio - não ignoto de meus espinhos.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Soneto ao guerreiro do infinito

Em pestilenta centelha padece
A prudência deste espírito - a guerra;
Os feitos heroicos deste que fere-se
E ferido segue em trilha de fera.

Procura em guerra alheia própria glória
E a si mesmo na lança do inimigo;
Na lancinante dor do golpe amigo,
Encontra teu conforto da amemória.

A guerra faz a paz de teu espírito,
Faça pois da luta teu canto-mérito
E da vitória desleal algoz.

Alcança-a - e teu destino jaz findo!
Na ínfima sinapse a vil batalha
De um guerreiro-poeta do infinito.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Versos distraídos

Amordaçar-me tenta inda
E por certo a boca cala,
Mas a voz nunca é finda,
Pois a minha vem da alma.

Arranca-me o papel - vil;
Leva-me as mãos embora!
Eis o que tem de mim,
Minhas quimeras somente
-tiram as horas.

E se por contente não te tomas,
Toma! Leva-me a vida!
Pois qual balaço já em curso,
Minha palavra já está dita...

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Fumo ll

E que é viver - se não um tragar.
Consumir-se em centelha inexorável,
Iludindo-nos da (des)importância

Da fumaça - Detestável.
Rabisca vil no ar lembranças,
Uma quimera, cigarros...

Roça teu palato.
Sente em teu escarro
Um final amargo.

Fascina a dança
Do fumo no ar
E em teu olhar,

Bruxuleios
Esvaíndo-se;
Silencia-se...

Apaga,
Centelha.
Acabas:

Gélida
Pérfida,
Só.

sábado, 8 de maio de 2010

Desabafo

Inglória batalha que trava a alma
Consigo mesma - calada suicida-se.
Caminha, fadada ao perpétuo das
Quimeras que cativa - em vil navalha.

Dissolve-se em certos pérfidos golpes,
A dureza do homem que vos fala;
Traem-lhe as químicas dialéticas
Das sinapses que o define: insano.

Teu encantamento é tua culatra
E por ela o tiro que vos mata!
Um olhar faiscante de serpente:
Esta é tua sorte! Envenenar-se
Da vicissitude que misterias.

Quanto deste mor veneno tu ousas?
Quantas são as quimeras que tu domas?
Tua beligerante desventura
Embriaga-se de breve ternura
Entrega-te aos bruxuleios da vida.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Soneto à Caronte

Caronte - arquiteta do desfecho,
Com tua boca faço último flerte;
Barqueira dos naufrágios derradeiros,
Possuir-te é do poeta - a sede.

Mata-a, poeta! - Pois a tua morte
É a solitária certeira sorte;
Sobra-te o errante - mesmo o que sentes.
Da algoz: um bailar de língua e dentes.

Fraca a carne instiga-te - vil Caronte,
E o mar embala - nu o que te calas.
Fúnebre, íntimo - teus olhos fecha.

Efêmero o gozo que te abraças,
Vazias as palavras que saciam:
O suspiro último de um poeta.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Fumo

Dá-me este cigarro - eis o que trago:
Horas findas no peito - eis que enterradas;
E na alma - pelas horas amargada -
Cravadas as feras de ignoto brado.

Quanto de vida há neste vil trago?
Vês? - São minhas quimeras enterradas!
Ébrio Cogito - loucura amargada.
Quanto de eco há neste meu nu brado?

Tal qual sombra fosse em minha'lma gélida,
Acovardo-me em ver esta batalha:
Degladiam Quimeras e Filósofos.

É vil navalha que faço caminho;
Insana é esta razão de poeta.
Gritas - e tudo o que fica é o eco.

quarta-feira, 31 de março de 2010

O Domador de Quimeras

Se da fera não queres ser o mérito,
Seja tu a fera no picadeiro!
Se estalar o chicote hesitas,
Te esperará destino derradeiro.

Vejas, perto e tanto, Morfeu e Tânatos,
Fazendo da luz uma ausência gélida;
Envolvendo-te em abraço e nu pranto,
Onírica, a fera que deixa a vida.

Antes a morte que viver à sorte
Da lança errante de Belerofonte,
Que da sorte da quimera - fez morte.

Quimeras desgarrado de morfeu;
Tu - poeta, domador de quimeras:
- O fardo do chicote faço teu.

domingo, 14 de março de 2010

Soneto Decalúrico

Entre o imenso mar e o gadanho
Prefiro que uma águia leve meu peito;
Pois bêbado navego em mar estranho,
À deriva na'gua que faço leito.

De silêncio afunda o calado corpo.
Rejeitado o peito do alto cai;
Vês? É tua quimera que se esvai!
Bailando ébria como anjo torto.

Só, fracamente uma luz bruxuleia;
E, gélida, uma voz balbucia:
Volta - poeta - este é teu destino.

Não me ofereça quimera alheia,
Já afogo na minha de distância:
Em breve momento de desatino.



Vocabulário:
Gadanho = garra da águia.
Calado = Navio posto em mar.
Bruxuleia = brilhar fracamente
Quimera = Sonho

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Da janela

Vejo tantas almas e pouca vida
Um ou otro coração que palpita
Passo tímido de volta e ida
Que em face ao tropeço - agita.

Vejo tantos olhos e poucos olhares
Em caótica tragetória trágica,
Embotados da ressaca dos mares,
Mas que em face ao encontro - faz-se mágica.

Vejo tanto barulho e poucas vozes
Roucas, parcas e embargadas;
Ignotas em murmúrios atrozes
Que em face ao silêncio fazem-se caladas.

Vejo tantos artistas e pouca arte,
Enrustida no simples cotidiano.
Hábia pincelada que vem e parte.
De face ao borrão, o artista faz-se humano.

Vejo tantos rostos e pouca face
Que se esconde em mesmo manto,
Fez-se igual para que não gastasse.
Em face ao medo, desfaz-se em pranto.

Vejo tanto sangue e velada guerra;
Metralhadoras e rosas em botão -
Envergonhadas de brotar da terra.
Em face ao balaço - vermelhidão.

Vejo tanto sonho e pouca ação.
Vejo na rua, imensidão.
Tantos iguais que nunca se dão.
Em face ao voo, prefiro o chão.

Augusto Ramos(para Gabi Ramos)

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Estopim

De um acaso encontro amante,
Fez planger berro calante,
De fome e vida, pedante,
O quinto rebento errante.

Berrou sem euforia
De frio e apostasia
Ao relento, a revelia.
E tu? Não o via.

Era infértil, mas crescente
Do destino, paciente;
Garoto de infância, ausente.
Do por vir inconsciente.

O rebento que outrora plangia
Dos iguais se escondia;
Do cotidiano, era folia.
E tu? Tu não vias.

Do senso era esquecido;
Por consenso: foragido.
O pensamento mais perdido,
Assim sem rima, sem poesia.

De vingança se enchia;
Dos iguais, raiva sentia,
Mas sabia, não devia.
E tu? Ainda não vias.

De sonhos, privado;
Da voz, fez-se calado.
Pelos iguais acusados,
Sem julgamento: culpado.

Latente fome sentia,
De comida, eresia;
E a noite caindo ia...
E tu? Não, não vias.

Do calibre fez amante;
De tantas vidas, calante;
De justiça e alma, pedante:
O balaço, certeiro, errante.

Calou em euforia.
Partia a alma em apostasia;
Lá caído à revelia,
O teu corpo - este tu vias...

E teu medo era crescente,
Por ajuda impaciente;
Pérfido brilho ficava ausente;
Foi-se tu, inconsciente...

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Para não sofrer

Para não sofrer
Hei de me esquivar
Do soco no estômago;
Do tapa com luva de pelica.

Para não sofrer
Hei de cegar
Do garoto de fome, caído;
Do meu direito destituído.

Para não sofrer
Hei de me esquecer
Da infinda guerra que se trava;
Daquela alma que aqui estava.

Para não sofrer
Hei de me acostumar
A acordar sem bom dia;
A beijar sem euforia.

Para não sofrer
Hei de me embriagar
Com cavalares doses de uísque,
Cafeína, anfetamina - ansiolíticos.

Para não sofrer
Hei de mostrar
A todos outros bêbados
Meu ignoto reflexo - minha sanidade.

Para não sofrer
Hei de pagar
O preço da dose;
Vender a alma.

Para não sofrer
Não hei de deixar,
Que a poesia transborde,
Que o coração acelere.

Para não sofrer
Hei de ficar repetitivo,
Para não correr o risco
Do erro, do riso.

Para não sofrer
Hei de ignorar
Qual seja a vicissitude;
Toda e qualquer virtude.

Para não sofrer,
Hei de me diminuir,
Hei de me desmerecer.
Dormir e quiçá com sorte
-morrer.

A tragédia é aqui

Há tempos as tragédias batem em nossos umbrais. Como um corvo, aquela figura apocalíptica descrita por Poe, nos amedrontam e deixam suspensa no ar - além da poeira - uma certa impotência e, por vezes, algumas partículas de culpa. Recentemente choramos pelas vítimas do terremoto no Haiti, que veio a piorar a quase ''impiorável'' situação do mais pobre país das amériacas. Foi notável a mobilização, mas fez-nos esquecer a ''escancarada'' tragédia brasileira; não só a das chuvas, mas estas tragédias dos homens, este pequeno Haiti que cultivamos em nossos quintais, mas que preferimos não ver. Sorte daquele outro Haiti, amparado por este de cá.

A tragédia haitiana, assim como a brasileira, tem inícios parecidos, ainda quando embrião na formação do país.No Haiti, uma independência negra e esperançosa, logo suplantada pelas sanguinárias ditaturas de Papa e Baby Doc's. No Brasil, uma colonização desajeitada, uma independência arranjada e ao final, um país ''de meia dúzia'' de pessoas. ''Não, aqui não é o Haiti! Temos uma democracia!'' Corrupta, elitista e desigual!

O Haiti teme as gangues; por aqui, tememos as milícias, o tráfico. No Haiti, mora-se em barracas; por aqui mora-se em encostas de morros e certas horas, abaixo da terra. No Haiti, tem-se fome; por aqui, para muitos falta o que comer. No Haiti corações latejam embaixo dos escombros; no Brasil, os corações derretem à mercer da chuva e da lama. Ainda nos resta o carnaval, o futebol e quiçá uma foto ao pé do Cristo.

Os corvos, estas visitas tardias, batem, quase igualmente em nossos umbrais - deste e daquele Haiti. A ligeira diferença está em nossos cartões postais. Enquanto aqui temos para onde desviar as vistas das tragédias - com lampejos de Europa e alguns poucos levando a vida de ''um país de todos''- , no haiti não há tregua para as vistas, as tragédias nos saltam aos olhos.

E quem - óh Deus - devemos culpar? Jogaremos pedra na Geni? Como - óh Deus - enxergaremos esse Haiti invisível cá envolto em nós? Será preciso um Zeppelin? Talvez precisemos de um terremoto, para abalar nossas vistas, arder os olhos, chacoalhar a alma! Escancarar essa tragédia tão brasileira, tão haitiana.

Soneto à traição

Seduz-te com olhar fagueiro - a víbora
Sussurra amante teu nome - poeta
Chama-te para o banquete - Calígula
Ebria-te e crava em teu peito- a seta

Prova a terna quimera que embriaga-te;
O doce do beijo que em tua boca
Amarga-se; o arcanjo que ama-te
É o leal veneno deste cálice.

Beba até que em face a morte emudeça
A voz que de dor em teu peito grita
Ignota até que em solidão, pereça.

Carrega tu no sal de cada lágrima
O pérfido arcanjo que seduz
E o leal veneno que lento e triste
- mata.

Anjinha

Tu não vês anjinha,
Mas não porque não podes,
Que entre todas essas odes
Escapa uma pérfida lágrima:
É tua e é minha.


E em teu sal está tristeza
Metida em porção infinda.
Lastimando trai-te a cara
E triste ainda, desnuda-te a alma.
Faltando à fé jurada, escorre calma.


Mas não carregue em teu peito, lindo anjo,
Toda a dor deste eivado mundo.
Ouça este desarranjo profundo,
Sou eu que cá neste ignoto canto,
Canto sim, a roubar para mim, teu pranto.


Amar-me, minha anjinha, não carece
Deixa, deixa só essa alma que padece,
Mas ouça bem o último suspiro de meu canto...
Há muito chove a tristeza de teu pranto,
Dá-me tua lágrima, pois te amo
-sincero e tanto.

Não sei

Tentei por-te em versos
À sorte da palavra errante;
Traduzir-te de sonhos certos,
Reproduzir-te em voz amante,


Mas estes signos que ao vento distoam,
Que a boca esconde e dos olhos voam,
São ignotos em minha ignorância,
Perdidos em cada uma de suas nuâncias.


Ah! Como é pretenciosa essa rima
Estralando suave em boca minha
Quer ser doce como tu, menina
E se perde no contorno da boca tua.


São mesmo errantes as palavras que escrevi,
Em vão esforço não conseguem
Ainda que com sinceridade temtem
Ser tão belas como o que tenho por ti.


Não cabes em versos mesmo
Tento e tento... a esmo
Em rimas que malho e limo
Falo sim de teu riso


E teu doce jeito que me encanta
E a candura de tua alma
Que à minha acalanta.


E das vicissitudes que vivo
E do medo que agora sinto
E se ainda duvidas que te gosto...
Gosto sim, não minto.


Mas não me basto em palavras
De amor ou de amigo.
Se em versos não cabes,
Toma! Meu peito é teu abrigo.

Augusto Ramos (para marcela ;D)

A vida como ela parece

Abrem-se as cortinas. E tão logo nos é apresentada a luz, aprendemos que a vida é um grande espetáculo, ou pelo menos deve parecer. Quando nascemos e o choro não é escutado, ganhamos logo um tapa! Não basta estarmos vivos, mas temos de parecê-lo. A partir daí, a medida que as roupas não vão nos servido mais - seja pelo tamanho ou pela moda - vão se sucedendo, em ternas vicissitudes, uma infinitude de atuações, cenas, quadros em que quase podemos ver a rubrica; alguns chamam de viver e vão vivendo, atuando, se relacionando e contracenando; também vão brigando por um lugar ao foco do holofote e se matando - a morte é verdadeira.


Envoltos nessa atmosfera teatral, somos inspirados por Jacksons, Ches, Madonnas, figuras encobertas pelo manto da própria imagem, lembradas e estampadas pelo que representam e não pela pessoa que são. São estes nossos heróis, nossos arquétipos; aplaudidos por uma sociedade do espetáculo e aplaudindo esta.


Voltamos, senhores, à caverna, onde as sombras que nos alienam são também a verdade que nos sacia. Voltamos à tempos ancestrais, à barbárie, disputando a tapas o ingresso de um funeral. Fazemos da vida um grande show, em que o fundamental é estar sob os holofote, a imagem que queremos apresentar, seja ela de um cadáver, de um mini-vestido rosa ou de um sanguinário guerrilheiro estampado, tal qual um herói, na camiseta da criança.


Mas não achemos, caríssimos, que esse universo dos ícones ''imortais'' nos é distante. Voltamos também a nos forjar em grilhões nas cavernas. As relações humanas cada vez menos pautadas no ''ser'', a constante ânsia por auto-projeção - vide Geise Arruda, que agora frequenta até festas beneficentes das freiras beneditinas - e uma terna preocupação, não com o que somos, mas com a imagem que queremos vender, faz com que atos como os da família Jackson e a venda de camisetas com a ''marca'' Che, sejam meras metáforas desta sociedade que convivemos.


Já não nos basta vender a casa, ou vender o carro, ou vender a natureza. Queremos também vender a nós mesmos, nossa alma. Então temos de fazer o produto aparentar ser atraente. Queremos parecer mais ricos e compramos aquilo que nosso dinheiro não pode pagar; queremos parecer mais altos e logo metemos nos pés um desconfortável salto; queremos parecer mais felizes e lá se vão doses cavalares de calmantes, ansiolíticos, uísque. Nos embriagamos dessa vida real a fim de mostrar a tantos outros bêbados que somos, ou pelo menos parecemos, sãos - até que as cortinas se fechem.

(Des)canção do exílio

Do Grito que dei só resta o Eco,
Que à boca retorna deixando amargo gosto
Do sentimento; com o hálito seco
A lágrima que corta o rosto.


O riso na face figura, mas só faz privar do espelho
O que cravado na alma está em segredo.
Não há mesmo jeito sem no peito amor;
Nesta valsa errante - pra lá e pra cá - do pierrot


Faço jus ao exílio que vivo?
Neste ver passar da vida, passivo.
Neste exílilo sem ao menos a lembrança do sabiá.
Montando alheia Quimera embriagada - pra lá, pra cá.


E Deus? - Cavalga pomposo em seu alasão
Acena sorrindo em meu febril delírio.
Me abandonaste? - Ilusão.
Larga as rédeas para aplaudir meu martírio...

Confessional

Confesso que quando te vejo,
Desejo o que parece lascivo;
Mas ainda que queria teu beijo,
Minha'lma alegra com teu riso.

Confesso que quando te fito
É simpatia, não minto!
Mas se passas e não me olha
Tomo em paciência, espero a hora.

Confesso que aperto no peito sinto
E do amor indagado minto.
E a mão delatando teme,
Quando entrega-te esses versos, treme.

Confesso que o medo gela
E da boca a fala foge.
Confesso que esse bobo sorriso que vês
Também tem o seu nome.

Confesso que para mim não basta
Entregar-te esses versos, poesia.
Por isso também me entrego:
É teu, meu coração, maria.

Insônia

O despontar da'urora ao fim da vista
Faz lembrar que não dormi.
O pensamento na cabeça revirava,
O coração em meu peito se apertava;
Em quem pensava? - Em ti.

Pêlo e água e sal,
Em minha triste face se confundiam;
Na lembrança de seus possíveis beijos
Os sentimentos se perdiam;
Na dor de saber que você não vi,
Chorei, confesso - por ti ...

Diz-me, anjinha,
Pois lá fora já canta o passarinho;
Diz que vem e deixa-me dormir,
Meu peito clama, pede:
O que só existe - em ti.

E agora o que me resta,
Além da pouca luz que entra pela fresta
E estes tristes versos que lhe fiz?
De volta quero a alegria do riso que perdi
Que embora foi por não estar perto - de ti.

O sorriso

à uma menina cujos lábios quero beijo



Sofre poeta, a procurar na lira de mil outros
Uma palavra ou um verso, não qualquer
Que iguale em sutileza e beleza
O riso, os olhos e a alma daquela mulher.


Procura a esmo, poeta;
Sabes que não vais encontrar
Na lira de nenhum outro
O que só seus olhos vivem a procurar.


E mesmo que ache bela lira
E que tente fazer a rima
Ou que ache o prazer da vida;
Ah! A beleza daquele sorriso é infinda.


Contente-se, poeta!
Em cousa que pode lhes parecer banal.
Alegre-se em fazê-la sorrir...
E de sua alegria ermosa
Bela lira pode surgir.


E do belo sorriso,
mesmo que fabricado de tão pobre rima,
Faça belo o mundo,
Quiçá minha lira...

Só sei amar

Queria eu, nessas linhas, escrever o sentido da vida;
Pretensioso que sou queria explicar o amor.
Mas poeta que sou só mesmo sei
amar e viver.

Queria eu um caminho mais fácil achar
De um amor mais prazeroso desfrutar,
mas homem que sou só sei mesmo
amar errante e caminhar.

Queria eu com a ponta deste lápis revelar
Todo o segredo que uma alma pode guardar
E o tempo com um virar de dedos controlar.
Sonhador que sou o faria,
Mas só mesmo sei
Viver, caminhar e amar...

A vida é um eterno acostumar

Quem vos narra essa via nada sacra é a essência de um homem, que nada perdi exceto aquele a quem dava vida. Não perca seu tempo ardilando sobre como uma essência narra uma história, apenas preste a devida atenção aos fatos que vos compartilho. Esta não é uma história usual, talvez até lhe cause estranhamento: começo contando-lhe o final, afinal, este já era derradeiro. O mais importante é o começo, mas não se afobe, leitor, este tem seu lugar nessas linhas que se seguem.

Tudo havia terminado quando ao homem que dava vida foi lançado um olhar vindo do espelho de seu quarto. Ele fitou em retribuição cordial o igual homem que o fitava e exasperou-se em estranhamento ao sentir-se completamente alheio àquele. Levantaram as mãos juntos, o homem e a imagem, um a esquerda, o outro a direita; em movimento sincronizado, ambos tocaram a superfície espelhada e a despeito de tão parecidos, logo se acostumaram a não serem a mesma pessoa.

Antes disso o homem havia tido filhos, que para ele já haviam nascido crescidos. Acostumara-se a acordar à noite, a trocar fralda, a pegar bico caído ao chão; Tarde notou que seus quartos estavam vazios, quando se acostumou que chamassem-no de pai.

Antes que tivesse filhos, o homem se casara; antes que percebesse havia acostumado a escutar ''eu te amo'' e responder ''eu também''. Tão logo a isso se acostumara a amar também. Não demorou para que em alguns vãos momentos se esquecesse que casado estava e acostumara também a deixar sua aliança no criado mudo.

Antes que pudesse se casar e ter filhos o homem tinha de se tornar adulto e assim o fez como de costume. Acostumou-se a idéia de que suas idéias e seu ímpeto jovem não mudariam o mundo e acabou se acostumando com a idéia de crescer. Não tardou também para que tudo aquilo que acreditava desfalecesse em sua alma acabando por acostumar a fazer tudo aquilo que julgava errado no juventude.

E foi antes do espelho, dos filhos, do casamento e antes mesmo de ficar adulto que estivemos, eu e o homem, o mais próximos um do outro. Eis que chego onde prometi: o primeiro passo dessa via nada sacra que me levou ao definitivo afastamento do homem a quem dava vida, a vida! Ainda era criança e assistia televisão. Eramos puros e inocentes, por que não? Pareceu-lhe atrativa, talvez indolor a idéia que lhe fora apresentada: ''Acostume-se a acostumar, criança, terás a vida menos ralada''.

A sombra assombra

Qual vulto meu quarto assombra? - A sombra.
Que meus olhos profundos fita - grita.
Que a boca baixinho ora - chora.
Que fez do medo calafrio - frio.


Qual medo me atormenta agora? - Ora;
Ao rosto angelical implora - agora!
Que da sombra negra apareça - esqueça!
E ao profundo sono volta - revolta.


Estou em carne viva - viva
Indolor, porém, que me cutuque - machuque
A ferida alma desamparada - desesperada
Que cega vê a sombra - assombra.


Que a boca muda fala - nada
E a mão involuntária treme - teme
Qual alma meu peito gela - congela
E frio na minha sinto - não minto!


Qual palavra digo pra que vá embora - ora!
Qual segredo tem que me esconde? - Onde?
Que em meus ouvidos o vento sopra - mostra!
O sussurro que alivía o peito - deito.


E a sombra responder demora - chora!
Dize, ainda que já cedo - Medo
O segredo da sombra - assombra!
Qual que grita e não me escuta - luta!
E do meu peito faz o corte - morte

A padaria dos sonhos de fama

Diz-se que era um sonho quase sublime o que aquela padaria fazia. Um desses sonhos suculentos em que nos lambuzamos sem o pesar de ter de se limpar depois. Sabendo disso Carlos desceu as escadas, cumprimentou o porteiro e pôs-se na calçada em direção à padaria dos sonhos de fama.

Diz-se também que eram três jovens entediados e uma máquina, dessas que roncam enfurecidas rasgando a cidade. Cansados do conforto de suas vidas e das oportunidades oferecidas, resolveram embarcar naquele veículo, imbuídos com o único objetivo de sentirem-se vivos a despeito de não conhecerem a lei, a ordem, nem Carlos, nem a padaria dos sonhos de fama.

Carlos caminhava sereno apesar da juventude. A padaria dos sonhos de fama era a alguns quarteirões de onde estava e o tempo não parecia preocupá-lo. Seus passos firmes o levariam ao destino e logo teria em suas mãos o suculento sonho com que sonhava.

Os jovens não somente se contentavam com a velocidade com que cortavam o vento, mas para que se sentissem realmente vivos tinham que transpor as amarras que conhecemos como sociedade. Não lhes importava a polícia em perseguição nem a vida do cão que atropelado fora.

Carlos já estava na padaria. Comprara o sonho e agora poderia ir para casa. A pressa não lhe era característica, sabia que para tudo havia seu tempo e ainda não iria lambuzar-se com o sonho que acabara de comprar. Pôs-se de novo na calçada com o mesmo caminhar sereno.

Os jovens dobravam as esquinas, cortavam ruas, avenidas e vidas. E quando banalmente dobraram a avenida da padaria dos sonhos de fama deparam com o garoto que antes não conheciam. Era um garoto com um saco na mão. Talvez carregasse ali alguns pães, ou talvez um sonho.

Carlos olhara surpreso aquele carro azul metálico que havia dobrado a rua em alta velocidade. Ouvia as sirenes ao fundo e sabia que a polícia estava no caminho. Ouvia o amargo cantar dos pneus e o ronco enfurecido dos cavalos do motor se aproximando a galope. Ouvia sussurros de vozes ancestrais, e gritos descomunais. Estava atordoado e parecia não acreditar que tanta coisa se passava em sua cabeça naquela fração de segundo.

O jovem ao volante fitou o garoto que estava logo a sua frente. O choque parecia derradeiro e em meio aos gritos graves dos jovens percebia-se um lampejo de arrependimento, ou talvez aquele brilho, que é sinal de alma, nos olhos fosse vida.

Carlos tinha de escolher entre o sonho e a vida. Largou a sacola que carregava e correu atordoado para se por na calçada novamente.

O jovem ao volante tentou pisar no freio, mas tudo que conseguiu foi o cheiro de queimado e sonho que ficou no asfalto.

O passado

Sombras se forjam onde
outrora repousava meu caminho.
Intrépidas,destemidas, insolúveis
no passado que me embriaga.


Brotam de solo infértil
lembranças que já deviam estar esquecidas.
Lembranças que deixam o homem estéril,
A mulher nua, a criança adormecida.


Passado, esse balaço errante,
mesmo que estático.
Ora se confunde com o que há de ser,
Ora é enigmático.

O poema

Que outro sentido tem o poema
se não o de aliviar a alma.


Que outro sentido tem a alma
se não, aos corpos inóquos, dar luz.


Que outro sentido tem a luz
se não de iluminar o que é escuro.


Que sentido tem o escuro
se não o de provocar mistério.


Que outro sentido tem o mistério
se não de ser revelado.


Que sentido tem a revelação
se não de evidenciar a mentira.


E - por Deus - que sentido tem a mentira
se não de descrever o homem.


Mas que sentido tem o homem
se não fazer poesia.

O espelho

''Que a força do medo que tenho, não me impeça de ver o que anseio''
Vinícius de Moraes

Os fragmentos de devaneio que vos compartilho são agora tudo que me resta. A sequência de fatos que me impulsionaram a escrever aqui despertaram em mim os mais primitivos e, por que não, sublimes sentimentos que um homem pode sentir; a você leitor, talvez, nada mais cause que a incômoda sensação de que os acontecimentos poderiam ser reais e de fato os são. Não espero que dê crédito ao meu relato, somente peço que seja minha companhia, talvez a única que me resta.

Despertei de sonhos inquietos, arregalei os olhos, até que quase saísem da orbita, à procura de qualquer réstia de luz que desse alguma pista de onde estivesse. Recordo-me vagamente de como havia parado ali. Sabia apenas que era dia. A janela entreaberta deixava entrar um feixe, e apenas um feixe de luz, que repousava sobre um ponto qualquer do chão.

A escuridão dava conforto aos meus olhos recém despertos, mas não conseguia proporcionar conforto igual à alma. Exceto pelo feixe de luz, que me mostrava o azulejo branco-gelo, a sombra reinava soberana sobre o cômodo que outrora eu repousava; confortante e inquieta sombra, que escondia de mim onde estava. Meus pés tocaram o chão frio. Como um desbravador de matas virgens dava passos cuidadosos em direção ao feixe que vinha da janela. Meti um dos dedos por entre a fresta e forcei a abertura – esforço em vão... A janela estava emperrada.

A porta seria a saída natural para aquele pesadelo momentâneo que vivia. Talvez fosse um dia de má sorte, e nada mais – tentava confortar a racionalidade que insistia em me dizer que algo estava errado. Exausto por tentar abrir a janela, tateei a parede até que encontrasse o trinco do que imaginava ser da porta. Quando toquei a maçaneta, o som da voz de minha mãe invadiu meus tímpanos, bigorna e estribo até atingir minha alma inquieta, como uma injeção confortante, acomodando a alma no mais sublime sentimento de alívio: estava em casa.

Meu primeiro ímpeto foi de gritar, mas talvez minha mãe me julgasse louco – até mesmo as mães julgariam. Talvez contasse a ela o que havia passado em minha cabeça e depois talvez pudessemos rir de tamanha ingenuidade da minha mente juvenil. Meu ímpeto, assim como meu devaneio, foram contidos pela inquietude que se alojava sorrateira em meu peito quando forcei o trinco e a porta não se abriu. Fechei os olhos para que talvez pudesse acordar daquele pesadelo, gritei para que minha mãe pudesse abrir as grades que me prendiam e eu pudesse finalmente me libertar; gritava alto - sem me importar com julgamentos -, mas o tom da conversa ao telefone era indiferente aos meus gritos desesperados.

Contive-me, afinal, louco não era. Havia uma explicação lógica para o que estava acontecendo. Estaria sonhando, nada mais. Deitaria, e quando acordasse, a porta estaria aberta, a janela estaria desemperrada e minha estaria alma liberta. Confesso ter sentido medo quando repousei a consciência no travesseiro, logo suplantado pelo pesado sono que me foi inflingido.

Arregalei os olhos novamente, agora incomodados pela claridade que havia invadido meu quarto. A porta estava aberta e nada mais impedia que saísse da prisão que o pesadelo de outrora me prendera. Passos confiantes e apressados me levaram até o portal. Antes de sair me olhei no espelho apressado, para ter certeza de que não mais sonhava; a voz de minha mãe parecia mais nítida e alta, e que felicidade sentia ao ouvir sua voz, na medida que descia as escadas.

Passei o olhar pelos móveis, pela tevê desligada e pelo telefone fora do gancho, ao alcance das mãos de todos; nas mãos de ninguém. Naquele momento tinha poucas certezas; sabia, porém, que não dormia e nunca estivera tão consciente em toda minha vida. Escutava, sim, a voz de minha mãe falando ao telefone – presumo – com dona Gertrudes, mas não conseguia vê-la. Talvez meus sentidos estivessem a me enganar o tempo todo, como uma criança travessa que prega peças no próprio pai. O som que nitidamente vinha da sala, poderia estar vindo da cozinha. Entraria e veria minha mãe, iríamos rir juntos...

Apertei os olhos o máximo que pude, até que ardessem. Esfreguei-os até que a retina quase se deslocasse. Aplicava ali o castigo aos sentidos, como um pai castiga o filho travesso por lhe pregar tal peça que me fora pregada. Não podia acreditar, não queria acreditar que louco estava. As torradas ainda estavam quentes na mesa, o fogo estava aceso, a porta da geladeira aberta, mas nada além de minha presença habitava a hostil cozinha de minha própria casa.

Não pense, leitor, que me deixei ludibriar pela sensação de loucura. Meus irmãos travessos estavam se divertindo às minhas custas, nada mais. Tive essa certeza quando um novo som invadiu meus tímpanos, estribo e bigorna, até acertarem em cheio minha alma desconfortada, depositando sorrateiramente em meu peito a esperança renovada.


Era Chopin, ou talvez Mozart, que ditavam o ritmo que deslizava pelos degraus da escada até o quarto de meus irmãos. Aquelas notas atenuaram todo o temor que sentia da completa solidão e logo em seguida exacerbaram em mim o mais profundo medo que um homem pode sentir – nem mesmo a morte seria pior. A música, ou esperança, que ouvia, não vinha do quarto dos meus irmãos como meus sentidos me diziam, mas do meu quarto que outrora deixara vazio.

Não se espante, leitor, se neste momento escutares um coração palpitar ao seu lado. Pedi-lhe companhia e agora, certamente, escutará meu coração inflingindo estrondosos golpes à caixa toráxica em um som tão assustador quanto o afiar da espada do carrasco. Meti primeiro os pés pelo portal de meu quarto, queria adiar ao máximo o encontro com a verdade. Fechei os olhos antes que eles pudessem ver qualquer coisa que colocasse a prova minha sanidade mental.

Não há tarefa mais difícil que abrir os olhos quando não queremos ver. A música – de Mozart, ou Chopin – invadia meus ouvidos e aumentava ainda mais a tensão que me corroía por dentro. A força do medo que tinha disputava uma queda de braço com as pálpebras que relutavam em abrir. O som da última nota da música havia feito vibrar meus tímpanos, desconcentrei-me da batalha que lutava contra a curiosidade e esta me deu o golpe fatal. Abri os olhos. O silêncio entre a última nota e o começo de uma nova música foram suficientes para despertar em meu íntimo um sentimento de estagnação: a certeza.

Encontrava-me diante do espelho – não que seja importante onde estava, mas o que via. A primeira vez que olhara aquele reflexo, havia notado minha cama, minha janela, a mesa que agora escrevo, nada mais – lembre-se leitor de minha pressa em encontrar o conforto de meu medo. Lancei um olhar mais atento, franzindo as sobrancelhas, à imagem de meu quarto: estava lá minha mãe revirando os lençois, meus irmãos com lágrimas no rosto e uma incômoda lacuna, onde deveria estar. Havia me tornado a imagem de mim mesmo.

O muro

Para os acontecimentos que vou narrar a seguir, nada mais peço que atenção. Não me julgue bêbado ou repita, com o fervor de uma prece, as palavras que vos compartilho, são apenas o relato daquilo que quereria eu ser um sonho, mas, por infortúnio ou como queira chamar, foi tão concreto quanto os tijolos daquele muro.

A vodka era barata, mas era o preço que pagava para consolar a eterna decepção que sentia de mim mesmo. O tempo e os acontecimentos haviam me calejado; me tornei uma pessoa extremamente amargurada, desgostosa e, por que não, cruel. A única maneira de me afastar de mim mesmo, era afogando aquilo que alguns chamam de alma, o que não sei se posso chamar de minha, apesar de coabitar o mesmo corpo que o meu. Já havia tomado mais da metade da garrafa e admito ter passado da conta - quem nunca passou. Me dava por satisfeito ao sentir longe a alma, o peso que era obrigado a carregar.

Foi depois de um gole - ou teria sido depois de uma farta mordida no queijo rançoso - que vi, por mais que meus sentidos negassem com veemencia aquilo que era evidente, a surgência de um muro, tijolo por tijolo, rasgando ao meio meu quarto e sala e me separando da alma.

Confesso, enrubrecido, mas confesso, que o corpo inóco me dava uma sensação plena de liberdade, uma ausência de qualquer grilhão que aquela altura tentava me forjar. Não pense que enlouqueci; lhe avisei, leitor, não me julgue. Apenas narro os fatos e foi exatamente assim que aconteceu.

Enquanto recobrava a sobriedade, também sentia uma sensação nunca antes sentida. Sempre esperava armagurado o retorno de minha alma que era recobrada com a sobriedade e agora sentia um prazer raro - raríssimo - de poder não sentir a agonia do convívio comigo mesmo. Me olhei no espelho e não mais sentia a ameaça iminente.

O raro sentimento foi efêmero, como um gozo. Logo a inquietação tomou o lugar da segurança que sentia e agora a solidão pairava entre as paredes e o muro do meu quarto e sala. O convívio com o medo de mim mesmo já não me fazia companhia - e que outra companhia tem alguém tão amargurado. Levantei-me da posição fetal que estava a observar o muro, caminhei até a janela e vi lá fora os muros surgentes; separavam ruas, casas, vidas e almas...

Meu devaneio foi interrompido nesse momento. Um som estridente, ou uma voz vinha do outro lado do muro, que agora observava com os olhos apertados numa tentativa de dar credito aos meus sentidos que se recusavam a ver as evidencias. A passos surdos, caminhei até o muro, encostei a orelha nos tijolos frios a fim de ouvir aquilo, que alguns segundos depois, descobri ser o clamor da essência, que agora sabia ser minha, em reestabelecer o calvário.

Precisava da compania do medo de mim mesmo. Meus inócuos sentimentos sem alma tentavam me fazer sentir seguro, mas ainda sim era só - o que é um homem sozinho senão já morto. Meu instindo, ou talvez o desejo inconsciente de traspor o muro me fizeram olhar para o lado. Lá estava uma marreta, deixada ali, pelos homens que há pouco reformavam minha casa, ou pelo destino. A marreta também clamava para por o muro à baixo.

Era meu sublime dever reestabelecer o calvário, as vozes me diziam. Um dever amaríssimo, é verdade, mas que dever não o é. As vozes que vinham da minha cabeça, ou do outro lado do muro, me instigavam e a esse ponto ficavam cada vez mais altas, a ponto de escutá-las elas e nada mais. Agarrei a marreto com a veemencia de um padre que se agarra no crucifixo. Instrumento de destruição e renascimento - que ironia - agora inflingia aos tijolos severos golpes que faziam sangrar por entre o reboco.

Um a um os tijolos iam a baixo e sempre que um caía no chão me deixava mais proximo de mim mesmo; as vozes ficavam mais fortes. ''Não pule'', escutava surdamente em meio aos murmúrios indecifráveis de vozes ancestrais; devia ser a consciencia, nada mais. O útimo tijolo foi a baixo, agora havia espaço suficiente para passar para o lado de lá, da alma, de mim mesmo. Transpus o muro e finalmente me encontrei... a seis andares do chão; cinco, quatro, três...

Sobre cães e lebres

Cães e lebres; o homem e a liberdade. A mesma relação paradoxal que envolve os cães tentando alcançar, em vão, as lebres de plástico, é a mesma que envolve a eterna busca humana pela liberdade. Em cada vão momento, a sensação de quase alcançar a lebre, ou quase atingir o estado de liberdade, impulsiona cada vez mais a corrida, a luta pelo objetivo - ora tão próximo, ora tão inalcançável. Poder-se-ia dizer que lebres e liberdade são utópicos, não fossem as concretas batalhas em prol desses ideais; mas ser livre significa poder escolher entre correr ou não atrás das lebres?

Liberdade é um conceito relativizado - varia de indivíduo para indivíduo. Talvez ela se explique pelo direito de ir, vir e permanecer ou até pela possibilidade de expressar uma ideia, dependendo de quem a concebe(a liberdade) . Essa relativização ocorre porque constantemente confundimos ser livres com a sensação de liberdade. Enquanto expressar uma opinião ou até mesmo nadar nu em mar aberto nos dá uma sensação de sermos livres, a liberdade é um conceito arquetipado; por mais que nos sentimos desprendidos dos grilhões que nos forjam, há sempre um grilhão que impede a liberdade plena.

Entendo que ser livre é como ser feliz. Não exise felicidade plena, mas isso não é impedimento para se viver momentos felizes; o mesmo vale para a liberdade. A eterna possibilidade, aliada ao desejo, de alcançar a lebre, mantém o cão na corrida; a eterna busca pela libertação - por que não de si mesmo - mantém o homem vivo.

Não vejo, porém, a liberdade como utopia, apesar de inalcançável. É ingenuidade pensar que muros e barras de ferro são instrumentos de privação de liberdade. O homem em sua grandiosidade, enquanto pensamento, transcende as barreiras físicas. Sonhos, utopias e idéias são tão concretas quanto o concreto que impede a carne de ir, vir e permanecer.

Conclui-se que a liberdade talvez seja uma utopia concreta, por mais paradoxal que isso possa parecer. Uma topia que mantemos sempre à vista, como um arquétipo ( modelo a ser seguido), um guia. Não fossem as concretas lebres, não haveria motivo para correr; e a escolha entre correr ou não é uma metáfora entre viver e não viver, ser ou não ser.

Sobre cães, homens, lebres e liberade: não há um único cão que tenha abocanhado a lebre de madeira- ou de plástico, que seja - da mesma maneira que não há um único cão que tenha parado de correr. Para que ser livre, enquanto podemos escolher correr sempre atrás da liberdade...